26 dezembro 2007

Adeus Ano Velho, Feliz Revolução Nova



Que o próximo ano
traga esperanças revolucionárias e que sejamos capazes de pensarmos e construirmos um mundo melhor. Que a poesia, a filosofia, a arte e a revolução - do espírito e da matéria - andem de mãos dadas na tarefa, dura, mas necessária, de erguermos um novo horizonte.Até o próximo ano.








13 dezembro 2007

A Nova Luz – Uma Resposta Histórica a Um Processo em Curso

É papel do historiador não somente se debruçar sobre o passado, mas também procurar compreender o presente a partir do passado, a partir dos exemplos históricos.
Vista do ângulo da história, a intervenção urbana no bairro da luz, em São Paulo, que a prefeitura de São Paulo denominou de Nova Luz , chega a ter um nome até irônico, porque ela se configura, do ponto de vista histórico, na repetição de velhos erros urbanísticos e na perpetuação de práticas sociais que, se aparentemente limpam as áreas urbanas – limpeza essa já questionável – num curto intervalo de tempo, a longo prazo representam um aprofundamento no erro e não a solução – estamos falando da gentrification, ou gentrificação. Mas não nos antecipemos. Estamos a colocar o carro na frente dos bois.
Walter Benjamin, em sua VI tese Sobre O Conceito de História, diz : articular o passado historicamente não significa conhecê-lo “tal como ele propriamente foi”. Significa apoderar-se de uma lembrança tal como ela lampeja num instante de perigo. Nós estamos articulando o passado enquanto ele ainda é presente, porque esse é um instante de perigo, perigo esse que terá suas conseqüências para o futuro, principalmente quando se está a se repetir erros que já foram cometidos – intervenções urbanas que levaram a novas levas de especulação imobiliária, “higienização” do centro com deslocamento maciço de pessoas – é como tentar jogar para baixo do tapete aquilo que salta à vista e não se percebe que a história não acoberta nada, tudo vem à tona com o tempo, alguém testemunha o momento de perigo.
Porque antes mesmo de avaliar o projeto, faz-se necessário avaliar a degradação do chamado centro velho, em particular a degradação do bairro da Luz. Esse processo de degradação, de abandono, por parte do poder público, do chamado centro velho, não foi um fenômeno isolado da cidade de São Paulo, ele ocorreu de modo variado e comum em quase todas as grandes metrópoles do século XX, e há elementos muito comuns, por exemplo, com a degradação do Pelourinho, em Salvador. Segundo Paulo Ormindo
Um centro histórico desse tipo, normalmente, sofre alguns processos, como excessiva especialização, em conseqüência do aumento da demanda dos serviços, que é, por sua vez, função de seu crescimento. Por exemplo, a sua transformação num setor exclusivo de prestação de serviços – comércio,bancos, etc. - o que implica uma pressão imobiliária muito grande sobre a área. É um processo que ocorre hoje e foi responsável pela destruição de uma série de centros históricos no Brasil, como é o caso do Rio de Janeiro, de São Paulo, e de outras capitais brasileiras, e que vem ocorrendo a nível latino- americano e em outros países.
(In Arantes, 1984)
Ainda que a referência não seja do momento, pouco mudou o quadro descrito. A chamada descentralização, que mudou o foco da cidade para outros bairros – Jardins, Paulista, Morumbi - , reflete exatamente o que Ormindo descrevia pelo ano de 1984. Paulo Ormindo falava, naquele momento, do bairro do Pelourinho, em Salvador, que passou por processo semelhante na década de 80, quando começou a chamada revitalização do Pelourinho. O problema maior apontado por Ormindo foi justamente a descentralização, com a conseqüente degradação e abandono do centro velho de Salvador, sem que o poder público tomasse as medidas necessárias para deter o processo enquanto esse ainda estava em curso. O que agrava o discurso do autor, é que não foram tomadas providências, aqui em São Paulo, para evitar esse processo, e as medidas que agora são tomadas, em larga medida, reproduzem o modelo criticado.
Localizadas as razões para a degradação da região da Luz – a transferência de empresas para outros bairros por conta do abandono do poder público quanto aos serviços básicos, mais a pressão imobiliária -, fica mais fácil contextualizar o projeto hoje em curso.
A primeira característica marcante do projeto Nova Luz, foi a limpeza que foi feita; não uma limpeza das ruas – cotidiana -, mas sim a limpeza social, o afastamento de elementos considerados perigosos ou simplesmente excluídos. No próprio site da prefeitura de São Paulo há informações sobre as ações tomadas, só que em nenhum momento elas são contextualizadas. Organizações dos direitos humanos elaboraram um documento em que as violências são relatadas, o Dossiê Sobre as Violações de Direitos Humanos no Centro de São Paulo, onde é mostrado, através de reportagens, relatórios e material iconográfico, a ação extremamente violenta da polícia militar, braço armado do estado, para expulsar esses excluídos, a maior parte moradores de rua ou pessoas que ocuparam os prédios abandonados por não terem onde morar.
Essa violência injustificada, que de diversas maneiras se assemelha às ações de Hitler ao realizar as mudanças na Berlim dos anos 30, demonstra claramente a natureza excludente do projeto: não se procurou incluir a população local, os moradores de rua e os moradores dos prédios ocupados, na concepção do projeto, a transformação desejada virá à custa dessa população, o enobrecimento da área virá através de uma exclusão gradativa e persistente, uma gentrification em curso que implicará nos desdobramentos já previstos e que coincidem com os alertas dados por Paulo Ormindo nos idos de 1980, a exclusão da população pobre e a especulação imobiliária – vale lembrar, e veremos isso à frente, que o projeto Nova Luz está procurando atrair empresas para a região através de incentivos fiscais.
A ação do poder público tem sido dura e inflexível quanto à população excluída, e o que era público – o próprio espaço – vai sendo transferido do poder público para as empresas privadas – em nenhum momento o poder público cogitou dar incentivos à população pobre para que ela se estabelecesse ou ficasse na região, em nenhum momento se discutiu maneiras de viabilizar a estadia da população de baixa renda, porque não há o interesse em tal. Assim se revela a natureza excludente do projeto e, porque não dizer, visto outros antecedentes semelhantes, tal como descrito por Walter Benjamin em Rua De Mão Única, fascista em sua concepção e em sua execução. O projeto claramente busca atender a uma parcela da população: empresários que vão investir na região, uma classe média abastada que vai procurar diversão sofisticada e outra que vai procurar a região para morar, depois das transformações que o bairro vai sofrer.
O outro aspecto que merece ser meditado com muita atenção, mas que vai se revelar complementar à exclusão já iniciada, são as leis de incentivo fiscal que foram aprovadas e que apontam os rumos da ocupação que se deseja. O texto do projeto diz :
Lei de Incentivos Fiscais:
enviada em 16 de setembro à Câmara pelo prefeito José Serra, a lei estimula a instalação de empresas de tecnologia e outros serviços.(Grifo nosso) A Lei foi aprovada em 30 de novembro de 2005 e regulamentada em 14 de fevereiro deste ano; A área foi declarada de utilidade pública (6/09/2005), possibilitando sua revitalização urbanística; (Site http://centrosp.prefeitura.sp.gov.br/projetos/novaluz)

Fica claro a fica de concentração de serviços, a excessiva especialização já apontada por Ormindo quanto a outros processos, especialização esta que gerará novas demandas e novas transferências de economia de um bairro para outro, bem como a outra política, a da exclusão da população pobre, vai significar a transferência dessa população de um bairro para outro.
O chamado perímetro de incentivo fiscal tem o total de 225 km2., praticamente o dobro da chamada área de utilidade pública, que tem a área de 105km2. A área total a ser transformada dá o total de 225 hectares ou 2,25 milhões de metros quadrados.
A gentrification em curso no projeto explica, de certo modo, as intervenções anteriores: a criação da Sala São Paulo, do espaço Pinacoteca e a revitalização do Jardim da Luz, como maneiras de atrair uma população de alto poder econômico e poder de decisão, para dar suporte político ao projeto.
Não vamos discutir aqui a validade das ações policiais que foram direcionadas ao combate ao crime, ao tráfico de drogas e à marginalidade disseminada pelos recantos abandonados do bairro. O que queremos discutir e mostrar é que mesmo esse abandono, essa degradação, foi o resultado de um abandono anterior por parte do poder público, que deixou a área desprovida de manutenção básica, que não fez e nem procurou investimentos para a área, seguindo o ritmo das flutuações imobiliárias.
O principal estigma atribuído à parte do bairro, o de ser a Cracolândia, já estava posto não de agora, mas de um longo tempo, e nunca houve uma ação concentrada para resolver o problema do tráfico de drogas na região, menos ainda no tocante aos problemas da população de rua e aos menores abandonados, realidade muito mais antiga para qual o estado nunca tomou nenhuma medida eficaz. Porque os problemas relativos à marginalidade são decorrências diretas da falta de investimentos sociais, do abandono de qualquer política, por parte do estado de São Paulo, de investimentos em educação, saúde ou de amparo às populações marginalizadas, expulsas das classes, lumpenizadas pela mão cruel da dinâmica social capitalista. Márcio Pochman, no livro São Paulo: Realidade e Perspectivas – Efeitos do Liberalismo Tucano no Estado, diz que:
Nessa situação, ampliam-se barbaramente aqueles que são considerados pobres. Não sem motivos, São Paulo torna-se o maior estado de pobres do País, relativamente ao padrão de riqueza oferecida. ( Pochman, in Casaro, 2006)
Os ditames da política tucana claramente são: não se sanam os problemas sociais, mas simplesmente se expulsa a população produzida por esses problemas, limpa-se a área, para que a burguesia,a verdadeira dona do poder, o verdadeiro agente do estado, possa desfrutar da bela e tumultuada zona da Luz.
Sem dúvidas, o patrimônio material presente na região está sendo preservado: a estação da Luz, a Pinacoteca, o Jardim da Luz; mas essa preservação, qual a validade dela, se preservar implica então em excluir parte da população do usufruto do bem tombado ? Em que medida essa preservação não significa também a apropriação do público pelo privado e também uma confirmação de valores ideológicos formadores de uma identidade de classe e não uma identidade do povo ?
As cidades são os lugares privilegiados onde a vida humana se concentra e se concentrará ainda mais agora no século XXI; mas nós humanos precisaremos equacionar e resolver nossas diferenças sociais, se não quisermos transformar as cidades em canteiros férteis do caos. O espaço público que a cidade constitui terá de ser usado como tal, e não como uma arma a ser usada para beneficiar classes específicas que detenham em suas mãos o poder econômico e político. Nesse sentido, o projeto Nova Luz não é somente uma regressão do ponto de vista urbanístico; politicamente ele é claramente a explicitação da natureza de um projeto em curso – a política neoliberal vigente no país e no estado de São Paulo -, que aumenta cada vez mais o número de excluídos, de desabrigados, de marginalizados, e que essa mesma política acaba por expulsar as populações marginalizadas para um nada metafísico, para uma não existência concreta que se resume em se amparar na própria margem – marginalidade – para garantir a sobrevivência mínima. A Nova Luz é uma piada de mal gosto num momento histórico em que cada vez mais são questionados a política neoliberal e os modelos capitalistas, que levam o planeta à exaustão e às populações pobres à marginalidade.
Pelos menos nós, historiadores, num momento de perigo, temos de saber mostrar os equívocos e a hipocrisia de uma política que, em nome de um estado que se pronuncia independente, mostra sua face corrupta e corruptível, não hesitando em expulsar, violentar ou agredir a população excluída para beneficiar aqueles que Raymundo Faoro chamaria de os donos do poder.
Num momento de perigo, nós historiadores dizemos: não.


Bibliografia:
ARANTES, Antonio Augusto(org.). Produzindo O Passado, São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984
CASARO, Rita(org.). São Paulo: Realidade e Perspectivas – Efeitos do Liberalismo Tucano no Estado, São Paulo: Ed.Anita Garibaldi/ Instituto Maurício Grabois, 2006.
FARIA, Hamilton & NASCIMENTO, Maria Ercília . Desenvolvimento Cultural e Planos de Governo, São Paulo: Polis, 2000
HORTA, Maria de Lourdes Pinheiro, GRUNBERG, Evelina & MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia Básico de Educação Patrimonial, Rio de Janeiro: Museu Imperial/Iphan, 1999
LEITE, Rogério Proença de Souza. Espaço Público e Política dos Lugares – Uso do Patrimônio Cultural na Reinvenção do Recife Antigo, Campinas: Unicamp, 2001
LOWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de Incêndio – Uma Leitura das teses “Sobre O Conceito da História, São Paulo: Boitempo Editorial, 2005
SIMÃO, Maria Cristina Rocha. Preservação do Patrimônio Cultural em Cidades, Belo Horizonte: Autêntica, 2005
VIEIRA, Maria do Rosário da Cunha. A Pesquisa em História, São Paulo: Ática Editora, 2003 VIVO, Fórum Centro. Violações dos Direitos Humanos no Centro de São Paulo: Propostas e Reivindicações Para Políticas Públicas, São Paulo: Fórum Centro Vivo, 2007