22 outubro 2010

A Tentação do Poder

A eleição transformou-se num grande jogo de vale-tudo, onde a direita já ultrapassou os limites do bom-senso e se aproxima perigosamente das zonas fronteiriças onde impera o medo, a confusão, o caos armado e não o debate de idéias, que é o que garante a vitalidade da democracia enquanto sistema representativo; a democracia é, necessariamente, filha da palavra.
Da mentira à provocação, de braços dados com a estupidez de grupos retrógrados que, em nome de uma falsa moral ou de uma religiosidade extemporânea que prefere apostar no atraso que na mudança, a candidatura de José Serra partiu para o tudo ou nada, estratégia que pode fazer sentido num jogo, numa aposta, não numa eleição. É que as "pessoas públicas" têm uma imagem a zelar: elas são paradigmas, modelos para o outro, e por esse fato têm de manter, não por hipocrisia mas por necessidade, uma imagem adequada que respeite os limites impostos pelas regras criadas pelo próprio meio, de respeitabilidade, civilidade, cidadania. O eleitor tem de ser respeitado enquanto figura principal do discurso democrático.
Os vários episódios suscitados pelo candidato José Serra ou por aqueles que se ligaram a ele - do debate equivocado sobre o aborto à calúnia pura e simples, com a cumplicidade clara de uma imprensa que mostra que, apesar de não assumir (com exceção do Estado, que assumiu a defesa do Serra, o que acho coerente com o discurso daquele jornal), defende a candidatura dele, exigem que, aqueles que não são comprometidos com essa imprensa, corram para esclarecer os fatos, desemaranhar os fios da trama que formam o país e que no discurso fácil dessa direita retrógrada aparecem misturados em doses cavalares de 'senso comum", escondendo ou diluindo a realidade, as diferenças de classe, a existência da opressão e da miséria que existem necessariamente em qualquer sociedade mantida à custa da desigualdade e da diferença.
Podemos dizer que Serra sucumbiu à Tentação do Poder e que agora nessa última semana vai arriscar tudo, sua história pregressa, sua reputação, tudo, em nome desse projeto pessoal de poder. O que significa que nesse curto intervalo de tempo poderá acontecer novos confrontos ditados pela provocação, novas calunias, novas mentiras, novos factóides criados pela imprensa.
Mas isso aumenta ainda mais a responsabilidade da candidatura de Dilma Roussef e dos partidos a ela aliados, que não podem, em hipótese alguma, ceder ao jogo fácil da provocação ou mesmo simplesmente se colocar de vítima e assim achar que tem por si o direito de esquecer de regras que são fundamentais não somente no exercício democrático, mas em toda a vida. Enquanto a candidatura de Serra afasta-se de qualquer horizonte ético, Dilma Roussef têm que zelar para que a ética e a hombridade sejam palavras de ordem na ação política, não tolerando que a violência manche o processo, nem permitindo que mesmo militantes aguerridos partam para o confronto cedendo à tentação da desforra.
O momento é grave, o processo está por um fio e é isso que a direita quer, que o processo seja maculado na origem, para que depois, perdendo a eleição, possam retomar sua agressividade com base num fato anterior que a justifique, e mais que isso, querem a qualquer custo um fato que os salve, uma tábua de salvação que justifique o uso da força, se preciso for. Não esqueçamos que liberais e fascistas sempre andaram de mãos dadas.
Ainda insisto no apoio crítico à Dilma Roussef, até porque acho que não existe apoio incondicional - há questões que terão de ser retomadas, depois das eleições, dentro do governo, do PT, dos movimentos sociais e da própria sociedade, questões que não poderão mais ser adiadas.
Mas a ação da direita, da escória golpista, nos leva necessariamente a agir. Serra age como um personagem faústico, que faz pacto com as forças sombrias em nome do poder. Essas forças sombrias são o medo, o obscurantismo; difícil é controlá-las depois que foram desencadeadas; difícil, mas não impossível.
A cultura não é salvaguarda contra o mal; se o fosse, a Alemanha nunca teria gerado o nazismo. É preciso que a razão faça sempre a crítica de si mesma e mais ainda, é preciso que o conhecimento, além de crítico, seja ancorado em outras sensibilidades que não somente a razão; é preciso que a verdade ainda seja um horizonte a ser buscado.
Sendo assim, enquanto alguns sucumbem à tentação do poder, é preciso que outros resistam preservando aquela soma de valores que nos tornam humanos - solidariedade, amor, respeito, paixão pelo conhecimento, amor à verdade. É preciso resistir também à tentação da resposta pronta, irracional, resistir às provocações. Nos dias que se seguirão, se a candidatura do sr. José Serra cedeu à tentação do poder a qualquer custo, cabe à Dilma Roussef mostrar uma outra ação, uma outra ética; aos militantes, é necessário vigilância e calma, porque o outro lado clama por um desastre.
Ao final, a responsabilidade é de todos nós. Mesmo daqueles que acreditam que só uma sociedade socialista poderá dar conta de resolver as diferenças econômicas e sociais que nos põe sempre à beira do abismo, não só aos homens, mas também ao planeta. Socialismo ou barbárie não é um chavão, é uma necessidade. A construção do socialismo terá de ser uma tarefa da inteligência e não da violência. A violência virá da reação...

19 outubro 2010

Neoliberalismo & Fascismo

Em um ensaio marcado pela sua característica lucidez, “O Combate ao Liberalismo na Concepção Totalitária do Estado”, Herbert Marcuse pôs a nu os laços que unem o liberalismo ao fascismo, mostrando que entre ambos não havia diferenças substanciais que justificassem a presumida oposição; um a um , Marcuse vai desmascarando as supostas diferenças. O fascismo a que Marcuse se refere é a sua variante germânica – o nazismo.

O nazismo pretendia-se uma nova weltanschauung (visão de mundo) oposta ao liberalismo; essa nova visão de mundo seria marcada pelos seguintes elementos a saber: apresentação heróica do homem, oposta ao tipo racional, contra a mentalidade do burguês do século XIX; uma filosofia da vida, vida entendida como “algo primordial”, além do bem e do mal, oposta assim a uma determinação racional da sociedade; um naturalismo irracionalista e um universalismo apoiado na figura de um volk orgânico que seria praticamente o oposto da nação liberal.

Analisando esses aspectos e a justificação nazista para um Estado totalitário, que na boca dos liberais e neoliberais é o oposto da livre sociedade de mercado, Marcuse mostra que fundamentalmente os elementos do Estado totalitário nazista já estão presentes na práxis neoliberal – mesmo que em germe -, sem que houvesse sequer uma resistência ou a insistência liberal em se distinguir do Estado nazista, que estava em seu início no momento em que o artigo foi escrito(1934).

O ponto alto, para mim, é o momento em que Marcuse cita uma frase de Ludwig Von Mises, grande teórico do liberalismo, que disse que “o fascismo e todas as orientações ditatoriais semelhantes (...)salvaram na atualidade a formação civilizatória européia. O mérito por esta via adquirido pelo fascismo sobreviverá eternamente na história.”. Ludwig von Mises é um teórico defensor do liberalismo; por coincidência, há um instituto Ludwig von Mises no Brasil; esse ano o instituto fez um concurso de artigos sobre o “livre pensar” e há ligações entre o instituto e o assim chamado movimento “Endireita Brasil”, o qual possui relações com o PSDB.

Assim, o que fica claro é que liberais e fascistas andaram de mãos dadas e que os liberais viam no fascismo uma saída contra aquilo que eles consideravam o verdadeiro perigo, que era o avanço do “marxismo-leninismo”, ou seja, o avanço de movimentos revolucionários dos trabalhadores em escala mundial a ameaçar a hegemonia burguesa.

Isso tudo para entender, no presente, as relações entre a candidatura de José Serra e a direita raivosa, extemporânea, defensora do golpe de 64. A campanha para presidente tem sido marcada pelos discursos reacionários, medievais mesmo, com uma campanha ativa da igreja e do setor à direita dos evangélicos, contra a candidatura de Dilma Roussef. No bojo das discussões bizantinas estão questões de gênero(a questão do aborto, da união entre homossexuais,etc) ou até mesmo boatos sobre Dilma, fotos dela como suposta “terrorista”, etc, num caldo imprestável que esconde ou dilui as verdadeiras questões a serem discutidas, que são as propostas para um novo governo.

As relações entre essa direita que se diz progressista (psdb) e a direita raivosa(DEM, Opus Dei, herdeiros da TFP, etc) são assim colocadas num plano histórico onde fica evidente que não são relações estranhas: liberais sempre contaram com o apoio dos fascistas e os fascistas sempre contaram com o apoio dos liberais, desde que fosse conveniente para enfrentar aquilo que eles consideram o verdadeiro perigo, que é a ameaça aos seus interesses e a ameaça, em última instância, à propriedade privada. De braços dados eles caminham juntos, corrompem juntos, matam juntos – se for preciso.

A ordem e a legitimidade só são interessantes quando vão de encontro aos interesses deles. Por isso que, quando numa eleição democrática é eleito um candidato progressista à esquerda, “eles” começam a descaracterizar a democracia, dizendo que o povo não sabe votar e em último caso, recorrem à força bruta, como quando do golpe de 64, onde a democracia foi derrubada em nome – pasmem- da democracia.

Por isso temos de ficar atentos a essas relações perigosas, porque há um risco evidente ao projeto progressista em curso – representado pelo Governo Lula, pela ameaça da direita que se articula em torno da candidatura de José Serra; essa direita é a escória da política, a que recorre ao boato, à força bruta, às calúnias, para conseguirem o que querem; uma direita que recorre à Deus, aos santos, a uma mística rebaixada e retrógrada, que fala do inferno e do pecado, mas que não fala da fome e da miséria e não aponta caminhos para libertar o homem, mas sim outros meios de aprisioná-los.

Enfim, é preciso se colocar contra o avanço dessa direita, mesmo que tenhamos críticas à atuação do Governo Lula, afirmando um apoio crítico à Dilma Roussef, somando esforços para que ela vença a eleição, na esperança de que continuemos num projeto de uma sociedade aberta, plural, onde ainda falta muito para avançarmos mas onde, inegavelmente, muito se caminhou para se começar efetivamente uma república, afinal, não há democracia ou república com barrigas vazias.

06 outubro 2010

De Madureiras e Burrices

Alguém leva a sério o que fala o sr. marcelo madureira ?(ver em http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/marcelo-madureira-chama-lula-de-vagabundo-e-picareta.html) Ainda mais sendo entrevistado pela branca sombra pálida do diogo mainardi ?
É possível ainda validar as palavras desses senhores insanos de tanto preconceito, incapazes de enxergar qualquer horizonte que não comece e termine em seus próprios umbigos ?
A direita brasileira se afasta de qualquer debate progressista e se entrincheira atrás de pilhas de preconceitos e respostas prontas, como um mágico que tira da cartola sempre o mesmo coelho.
O pior é ter de ouvir os ideólogos desse neofascismo falar em nome da liberdade, imaginar que a liberdade tem a cara de um comercial da VEJA...
E nem é preciso ser fã do Lula para repudiar essa estupidez neofascista, basta desejarmos uma sociedade limpa, onde a democracia se dê de maneira plena e não seja somente um artigo para as elites.
Enfim, deixem que os mortos enterrem seus mortos e sigamos em frente.