24 setembro 2007

A Burocracia Sindical

Se acrescentasse mais um r à segunda palavra do título acima nem por isso estaria errado, pois a verdade é que o movimento sindical está a morrer de asfixia, sufocado pelos tentáculos da burocracia que desde um longo tempo aprisiona o movimento.
As direções que atualmente conduzem o movimento estão, na sua maior parte, desde meados dos anos 80 ou 90 nas direções dos sindicatos, sem possibilitar o surgimento de novas lideranças e/ou novas expressões que tragam a tônica real das massas para os sindicatos.
Porque o movimento sindical é um movimento de massas, das massas trabalhadoras; ele perde o sentido se deixa de expressar, em sua essência e em sua organização, essa dinâmica interna da classe trabalhadora, que gera em seu seio as expressões individuais capazes de pensar alternativas diferentes às contradições do capitalismo.
O discurso que escutamos hoje das direções que estão à frente do movimento se assemelha, e muito, ao discurso das próprias empresas e não ao discurso dos trabalhadores: a primeira impressão que dá é que esse discurso se ampara num cientificismo que justifica suas mudanças amparado em dados estatísticos, em teorias científicas e econômicas que têm a pretensão da verdade.
Mas de fato esse discurso só expressa que as direções não conseguem mais manter o distanciamento necessário para pensar as proposições das classes trabalhadoras, porque na sua maior parte já foram cooptados pela essência da própria burocracia - que precisa da estabilidade e do imobilismo para garantir a posição dos dirigentes -, ou foram cooptados pelo próprio capital, em outras palavras, foram tragados pela lógica cruel da história e agora se repetem como farsa.
A verdade é que mesmo a ciência é uma construção ideológica, e os dados econômicos com que às vezes os sindicatos brandem aos quatro ventos justificando suas estratégias, também eles são construções ideológicas que podem e são manipulados.
É como na campanha salarial dos bancários, onde uma das propostas apresentadas defende a idéia de se discutir remuneração variável, um item que com certeza interessa mais aos bancos que aos trabalhadores, incorporando ao discurso da classe trabalhadora os interesses patronais; ou quando um ou outro dirigente diz ser inviável discutir a idéia de um novo PCS ou a conquista da isonomia nos bancos públicos, sem entender que a posição a ser assumida por um dirigente sindical é a de defender a classe trabalhadora e não os interesses da empresa.
Não existe relativismo moral na luta de classes, ou você está de um lado ou você está de outro, não há meio termo; se as direções sindicais começam a expressar esse relativismo moral, de que seus discursos soem tão ambíguos que não conseguimos distinguir de que lado eles estão, é um sinal claro que essas direções estão ultrapassadas e precisam ser substituídas urgentemente.
Não pode haver relativismo moral no movimento sindical, volto a insistir: é comum hoje em dia vermos ex-dirigentes sindicais trabalhando em estatais ou empresas públicas, assumindo posturas antitéticas com suas posições anteriores, quando defendiam com unhas e dentes a classe trabalhadora da qual agora eles esquecem e muitas vezes perseguem.
Se os trabalhadores não assumirem uma postura crítica em relação aos sindicatos e centrais sindicais, se os trabalhadores não se envolverem com o movimento para criarem novas estruturas e novas propostas que apontem uma saída para o labirinto em que estamos nos metendo, nós teremos um futuro sombrio, porque o fato concreto é que os capitalistas continuam unidos em torno do ideal do enriquecimento a qualquer preço, à custa dos direitos dos trabalhadores, da natureza e da própria vida.
Então, é preciso vida nova para os trabalhadores: mais democracia, novos valores e novas idéias para nortearem o movimento e nos ajudar a construir alternativas ao abismo capitalista.

08 setembro 2007

Metas


Enquanto a ONU fixou as metas do milênio, que dizem respeito a questões sócio ambientais, creio que precisamos fixar as metas da psique, um roteiro de salvaguarda psicológica contra a mal disfarçada massificação e entropia de tudo o que é psíquico e individual.
As metas do milênio, prontamente, se colocam como tentativa de solução para uma série de problemas, como o analfabetismo, a fome, a miséria, etc; não discutirei aqui se essas metas de fato podem atingir o cerne dos problemas ou se se trata de mais uma mis-en-cene, cortina de fumaça a ocultar a gênese e o epicentro do terremoto: que há uma insolúvel contradição nas sociedades e economias atuais. O problema que me coloco é o de que, na medida em que cresce a dinâmica estúpida da massificação e da concentração urbana nas grandes metrópoles, cada vez mais haja menos oportunidade de desenvolverem-se indivíduos, que cada vez menos as pessoas tenham a oportunidade de pensar em si mesmas como pessoas, e não como peças de uma grande engrenagem.
Relega-se a vida psíquica, ou vida interior, a um epifenômeno sem importância, e quando porventura se fala em fenômeno psíquico é para se falar na consciência, quando se discute uma ou outra moral. A vida psíquica é muito complexa para ser relegada como fenômeno marginal e muito vasta para ser vista somente pelo prisma da consciência. Aplica-se em relação a vida psíquica o mesmo critério utilitarista que temos aplicado em relação a toda a vida, de várias partes subordinadas a um todo - sendo que esse todo é uma esfera vazia e sem horizontes - o lucro.
A bem da verdade, a vida psíquica - ou espiritual - é tão ampla quanto qualquer fenômeno da natureza - com a mesma carga de complexidade, acrescida das nossas especifidades humanas, e suas expressão é dinâmica. O instinto, o inconsciente, a consciência, são uns tantos fenômenos meio a muitos outros que perfazem nossa verdadeira vida interior. A educação, que seria o instrumento mais adequado para projetar futuras gerações de indivíduos, infelizmente enfatiza nossas condutas gregárias, pouco dando atenção às predisposições, aos intercâmbios e turbulências da própria psique.
É preciso que fique bem claro que o universo do espírito não pode ser medido por padrões utilitários, morais ou mesmo financeiros. A parca e idiota visão utilitária não alcança as dimensões secretas e sagradas da vida, e essa visão é uma parcela mínima da história da humanidade. Não podemos medir o espírito com uma balança de papel-moeda.
Não há nenhuma preocupação, por parte dos governos, com as conseqüências psicológicas da vida social atual nem com as conseqüências sociais da vida psíquica atual. Comumente, hoje se vive como máquina, mesmo o lazer é só descanso programado: ainda não somos moto-contínuo. Pouco se exerce a autonomia interior, pouco se enfatiza as qualidades interiores do distanciamento e da solidão - porque vão contra tudo o que gregário; mas nenhuma grande obra humana surgiu como conseqüência do burburinho: as grandes obras são produtos de uma extrema concentração em si mesmo ou na natureza, e essa extrema concentração exige solidão.
Talvez seja esperar demais que os políticos incluam, entre suas proposições, uma preocupação com a vida interior das pessoas: ora, se a própria medicina voltou ao mais tosco materialismo psíquico, com sua malfadada concentração na bioquímica e na fisiologia, o que dizer então dos políticos, acostumados a moverem-se em esferas bem mais mesquinhas e menos sérias ?
É um dado real que o homem adoece psiquicamente, e ele adoece porque existe psiquicamente. Mas perceber a si mesmo, olhar para si mesmo e notar-se como ente singular, diferente dos demais, é fruto da educação e da introspecção, do olhar sobre si mesmo, coisa que não se faz vivendo-se na estúpida mecanicidade em que se vive.
Se os governos, corporações, empresas, não dão importância ao fato psíquico, cabe a nós, que conhecemos a importância da vida espiritual do homem, fixarmos nossas metas, coletivas e individuais, como compromissos e como roteiros orientadores. Elas são:
1- Não posso me esquecer que sou um ente individual e é uma das razões da vida descobrir o porque de minha singularidade.
2-Uma cultura do indivíduo não se opõe a realizações coletivas, desde que elas representem significativas aquisições de humanidade. Então: sempre colaborarei com realizações coletivas, desde que...
3-Sempre manterei minha necessária introspecção, como maneira de olhar para dentro de si mesmo.
4-Nunca se deixar levar pela intensa massificação, nunca se perder em meio a massa atordoada.
5-É necessário solidão para vivenciar o espírito.
6-Nunca relegar a segundo plano as necessidades psíquicas: elas são tão importantes quanto as necessidades físicas.
7- Adquirir cada vez mais cultura para aumentar as possibilidades de compreensão: a cultura escolar ( do colégio às universidades ), é tosca e incipiente; a cultura de massas é reducionista e estupidificante: é preciso criar o próprio paideuma.
9- Nunca subordinar a vida do espírito a qualquer evento externo, a não ser que o evento externo corresponda a alguma necessidade interior.
10- É preciso encontrar o ritmo das circunstâncias e fazê-lo tocar a nosso favor.
Vê-se que nossas metas são quase não metas, são nichos de orientação em meio à paisagem atribulada. Porque o espírito e as coisas do espírito são como a natureza, sua medida é a de milênios, e ainda que o eu não o possa abarcar, é isso que importa, um horizonte oculto mas real.
Quiçá no futuro faça parte do planejamento humano as necessidades psíquicas, tendo por fim a sempre crescente e maior humanização.

01 setembro 2007

Poema do AntiCapitalismo Visceral

Quero preservar meu sangue vermelho
das maquinações verdes dos banqueiros
quero salvar minha pele
do ócio gorduroso
do dinheiro

quero lavar meus olhos, tirar
o véu nefasto da usura
afastar de minha porta

o cancro terminal
das bolsas de valores
explodir em dinamites finas
a pura idolatria
dos servos de Mamon
queimar, com a virulência da palavra
a cal amarga
do dinheiro
vomitar em raios de luz
a servidão voluntária
ao trono financeiro
audaciosamente desprezar
o tilintar vazio
do ouro
rasgar tratados
enforcar
os deuses santos do capitalismo

quero bem mais
que horizontes subterrâneos

sim
à alegria vertical do sol
ao coração secreto do mundo
aos olhos meigos do albatroz
aos espaços
ao silêncio
ao não de uma noite de deuses

Somos todos deuses
no umbral do inaudito
somos todos puro devir

não nos seja mais que a vida

seguir.

O Sonho das Elites

A declaração infeliz do sr. Paulo Zutollo- presidente da Phillips do Brasil: “Não se pode pensar que o país é um Piauí, no sentido de que tanto faz quanto tanto fez. Se o Piauí deixar de existir ninguém vai ficar chateado” revela aquilo que é o sonho das elites brasileiras - o sonho de um país uniforme,com cara de Estados Unidos, homogeneizado pelo poder do dinheiro, livre daquilo que eles, da elite,no fundo consideram uma mácula: a heterogeneidade do povo brasileiro, as tradições e as diferenças que tornam efetivamente este país no que ele é: um permanente laboratório de criatividade e vida.Pessoas como essa,que nem merecem ser lembradas,pensam que o país é só o sudeste e o sul, como se qualquer lugar acima de Minas Gerais e qualquer sotaque além do mineiro fosse uma ofensa aos olhos e ouvidos delicados da burguesia.A verdade é que essa burguesia, que come caviar e se diverte jogando ovos podres na população pobre- como fez o outro pária filho da burguesia vulgo Boninho – ou espancando trabalhadoras ao amanhecer, essa burguesia cresceu sobre o sangue e suor de negros e pobres, nordestinos ou não; enriqueceu a custa de facilidades favorecidas pelos diversos governos, explorando mão de obra barata, pouco se preocupando com o destino do País, pouco se responsabilizando pelas conseqüências ambientais ou sociais de suas atividades; mas essa mesma burguesia é incapaz de criar qualquer coisa, incapaz de produzir beleza, incapaz de produzir novos valores; infelizmente, a lógica sanguessuga do capitalismo também impera no domínio moral e na esfera dos valores; não é à toa que a burguesia assimilou,copiou valores da aristocracia decadente e não é à toa que a burguesia nacional macaqueia as elites de fora,porque são incapazes de criar qualquer coisa que seja nova.Essa burguesia não compreende a geléia geral brasileira, como diria o poeta piauiense Torquato Neto. O espelho em que ela se olha é uma miragem fragmentada apontada para o hemisfério norte. Mas a verdade é que é ao povo que devemos nossas maiores obras, nossa verve mais criativa, nosso estímulo ao que é grandioso; é ao povo, o inventa línguas, como disse, se não me falha a memória,o poeta russo Klebnikov, que somos tributários da matéria prima com que desenhamos esse país.
Exemplos não faltam: do milagre que é a obra Grande Sertão:Veredas à genialidade do Deus e o Diabo na Terra do Sol à música de Villa Lobos, que nunca se envergonhou de ter recebido das fontes populares a matéria prima para sua música.A burguesia nunca compreenderá o Piauí, o Ceará, aliás, o Nordeste ou o norte do país, nunca compreenderá nossa heterogeneidade étnica, nossa diversidade cultural; incapaz que é de criar, também é incapaz de entender as tradições,o solo onde o povo germina sua cultura e promove o húmus da cultura.
Então, sr. ZuTOLLO, qualquer parte desse país que venha a desaparecer fará falta,muita falta, não só pelo espaço geográfico que a tanto custo conquistamos ao longo da história, mas principalmente pelo povo que o habita; a burguesia sim pode desaparecer, assim como desaparecem os sonhos ruins e os monstros dos pesadelos: depois de sugarem nossa energia, fogem quando chega o sol, desaparecem sob a luz.
Que a história então amanheça.