26 julho 2008

Dois Pesos, Nenhuma Medida: A justiça brasileira, Cacciola, Daniel Dantas e o MST

Essa semana, trabalhadores do Movimento Sem Terra que chegavam à Porto Alegre foram revistados e fotografados pela polícia antes de entrarem na cidade, numa atitude de clara perseguição por parte dos poderes constituídos do estado do Rio Grande do Sul. A recepção que os sem-terra tiveram foi a de serem tratados como criminosos prontos a cometerem algum ato de vandalismo ou algo pior, quando se sabia por antecipação qual era o objeto da caminhada: manifestações pacíficas no centro de Porto Alegre.
A ação da Polícia Militar gaúcha faz parte de uma ação articulada entre o governo estadual e o ministério público daquele estado, e que visa criminalizar o MST, num gesto próprio de governos ditatoriais.
Mas esse gesto revela mais que isso, revela como o judiciário brasileiro precisa, urgentemente, de uma reforma radical, pois ele está desmoralizado, haja vista as ações que vem tomando e que revelam que a justiça brasileira possui dois pesos e nenhuma medida: há uma justiça para os ricos e outra para os pobres e trabalhadores.
A justiça para os ricos liberta escroques e ladrões, como Cacciola e Daniel Dantas, sobre os quais pairam sem número de acusações dos negócios mais escusos, em valores sempre na escala dos milhões. A justiça para os pobres é rigorosa: prende ladrões de shampoo e caixas de margarina sem julgamento, confina presos pobres em cubículos onde nem animais sobreviveriam e posa de honesta.
O que está em choque é o próprio Estado. Quando a justiça é desmoralizada, rompe-se a teia que une os diversos elementos de uma sociedade, pois a justiça teria que pairar acima das relações de classe e dos interesses que as dominam, mas não é assim, porque o próprio estado revela sua face unilateral, burguesa, quando acoberta as ações do judiciário, os crimes de colarinho branco, a ilegalidade que permeia grande parte das ações das corporações, dos grandes financistas, enfim, da burguesia como um todo.
Não sei se as pessoas perceberam a conexão entre esses extremos, a libertação dos escroques e a perseguição ao MST, mas há uma linha dupla que une esses atos extremos, a proteção à burguesia e a perseguição aos movimentos sociais: faz parte da ação articulada pela burguesia, desestruturar os movimentos sociais e ao mesmo tempo proteger-se enquanto classe, mesmo que isso signifique dar cobertura para negócios escusos e crimes diversos. Há alguém que ainda se iluda quanto a achar que os grandes negócios são feitos de mãos limpas ? Que por trás das grandes corporações não há também grandes crimes, dos ecológicos aos financeiros, da corrupção aos assassinatos ? Há ainda pessoas ingênuas a esse ponto, de não perceberem que a corrupção é inerente ao próprio capitalismo, é inerente e subjacente à sua ideologia, ao seu discurso de lucro a qualquer custo ?
A justiça, num país que nunca conseguiu constituir-se como uma república de fato, só pode ser unilateral: aqui as aspirações burguesas morreram antes de seus discursos, a realidade sempre foi muito fácil para essa burguesia que sempre se locupletou em banquetes sem fim, com um estado sempre pronto a desmantelar revoltas e aplicar uma justiça sempre classista: a favor da burguesia e contra aqueles que estavam do outro lado: trabalhadores, índios, pobres, camponeses.
Quando a Prússia invadiu a França em 1870, os operários que haviam tomado Paris e ali erguido a famosa COMUNA DE PARIS, fizeram a defesa da cidade contra o invasor estrangeiro; o governo burguês preferiu fazer uma aliança com o invasor estrangeiro e massacrar os operários rebelados do que concentrar forças para expulsar o invasor. Essa é uma lição da história: não há justiça burguesa, há sempre a injustiça burguesa, porque os pratos da sua balança têm pesos diferentes, ou melhor, só há um prato na balança...
É preciso consciência histórica e consciência de classe para compreender as ações da justiça brasileira, e mais que isso, é preciso consciência de classe para resistir à brutalidade desses tempos de silêncio, onde parece que tudo morreu, inclusive a esperança...
e Viva o MST!!!

17 abril 2008

Fora China!

Nenhum crime é tão pouco condenado quanto a invasão chinesa ao Tibete e a sistemática tentativa de destruir a cultura tibetana, numa clara ação de etnocídio, perante a qual o mundo se cala, de uma ou outra maneira.
País que se autodenomina comunista, mas que na verdade amplia cada vez mais sua práxis capitalista aliada a um estado altamente repressivo, a China tem cometido todo tipo de violação aos direitos humanos: desrespeito à pessoa, desrespeito às culturas, práticas de tortura, lavagem cerebral, prisão de crianças (como a do Panchen Lama, que tem 8 anos), mas movidos por interesses escusos, os países se calam, assim como tem se calado a diplomacia brasileira e de vários outros países, assim como tem se calado mesmo as organizações de esquerda - não vi nenhuma manifestação do PSTU, do PSOL ou de qualquer outro partido de esquerda; no site do PC do B ainda há notícias absurdas, e ainda têm a coragem de dizer que o Tibete, como região autonôma, tem sua cultura e língua respeitadas ( no site http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=34670 ), numa matéria tão parcial que sugiro aos senhores do PC do B que leiam o site da comissão internacional de juristas, organização que acompanha a história recente do Tibete desde a sua invasão pela China nos anos 50.
Esse silêncio incomoda, porque a esquerda se mostra totalmente parcial, inócua, bidimensional mesmo, porque incapaz de articular uma defesa da vida acima das ideologias, em nome de direitos que são essenciais(respeito à vida, às culturas, à soberania dos povos), se mostra incapaz de olhar acima de seus umbigos estreitos, além de sua retórica chula de uma luta de classes extemporânea (não que o conceito de luta de classes seja extemporâneo, mas aquilo que a esquerda tem considerado como tal), que não corresponde à verdade histórica, que não corresponde nem à dialética real.
Porque o fato é que não é de agora que a China mata e tortura no Tibete, enquanto a esquerda se cala, e os governos também. Incômodo o silêncio do governo brasileiro: quando os direitos são esquecidos em nome de relações comerciais ou seja lá do que for, tudo pode acontecer: é a barbárie travestida de civilização, como diria Walter Benjamin.
Onde fica o direito à autodeterminação dos povos ? Só um ignorante em matéria de cultura pode achar que o Tibete pertence à China: a China invadiu o Tibete como qualquer nação imperialista o faria, mas o fato é que a autonomia tibetana, sua independência como povo e cultura ficam mais que evidentes pela existência de uma língua própria, de um alfabeto próprio, que nem é derivado da escrita chinesa, mas sim do sânscrito. O litígio quanto à demarcação das fronteiras aconteceu por conta do próprio estado tibetano, durante séculos fechado ao contato externo, assim como foi o estado japonês até meados do século XIX; a diferença é que o estado japonês era per si centralizado em torno de uma forte cultura confucionista, marcado pela disciplina e pelo culto abstrato ao céu e à nação, enquanto a cultura tibetana, budista, sempre foi marcada por uma evidente indiferença quanto ao mundo terreno.
Mas são idiossincrasias que teriam de ser respeitadas, assim como têm de ser respeitadas as culturas indígenas ou toda e qualquer cultura diferente das culturas clássicas, sejam do ocidente ou do oriente. Ainda assim, para a comissão internacional de juristas, o estatuto do Tibete como país autônomo na época da invasão chinesa é inquestionável.
Querem tirar mesmo dos tibetanos o direito à revolta, criticando-os por terem agido com violência contra a polícia chinesa, o que chega a ser de um cinismo gritante - a esquerda se rejubila quando iraquianos ou afegãos reagem ao invasor norte-americano e se cala frente ao invasor chinês: ora, fora com todos os invasores, de todos os países invadidos, seja ele o invasor norte-americano, chinês, europeu, brasileiro ou seja lá o que for. Que se respeite o direito de auto-determinação dos povos, que a China conceda a autonomia de fato e não uma autonomia de fachada, mas que garanta o direito do povo tibetano de escolher seu próprio destino.
Quanto ao governo brasileiro, fica mais essa decepção: tirando uma pequena nota onde o governo brasileiro "deplora" os acontecimentos no Tibete, mas reconhece a "unidade territorial chinesa", ficou um absoluto e comprometido silêncio, enquanto a comunidade internacional grita contra os crimes chineses. Depois dos transgênicos (em particular a soja), depois da devastação da floresta amazônica, a diplomacia silenciosa, que lembra do comércio e esquece dos direitos.
"Eu não como desse pão", vamos boicotar as olimpíadas e exigir que a China cesse com toda violência e comece a retirar suas tropas do Tibete; por um Tibete livre. Já.

29 janeiro 2008

A Esperança

Não vou falar da esperança como se faz nos velhos receituários moralistas ou nas canções de gosto duvidoso. Gostaria de torná-la matéria nobre, sem a imagem sobrecarregada de cansaço e de vãs ilusões, que faz com que a esperança seja confundida com toda e qualquer forma de messianismo.
Os gregos não gostavam da esperança; para eles, acreditar que algo ia acontecer era uma forma de paranóia, ou seja, pensamento paralelo, defeituoso – no dizer de James Hilman -, porque não faz sentido esperar por esperar.
É difícil pensar a esperança, ainda mais numa época tão vazia de perspectivas, e de uma racionalidade tão vaga e utilitária. Nos desacostumamos a pensar valores abstratos, tão alto a lógica do lucro, dos valores utilitários, fala dentro de nós. Mas são valores abstratos – concretos no plano psíquico -, que dão a tônica da vida humana, aliás, é isso que a torna humana.
Então, é preciso pensar a esperança, para que não cedamos à lógica fácil e comodista dos senhores do capital. Mas pensar a esperança como se pensássemos com a mãos e como se as mãos carregassem nossos corações.
É que a esperança é fruto e colheita, e temos de cultivá-la, preservá-la, aconteça o que acontecer, venha o que vier, com o trabalho de nossas mãos, sabendo que o dia seguinte só irá existir se o construirmos.
Vozes apressadas, maldosas, anunciam a morte da esperança. Como se a esperança estivesse presa na bandeira de um partido, num nome que se grita, num santo que se acredita. Essas vozes esperam que nada mude, porque a eles não interessa a mudança. São as vozes dos banqueiros, da velha e decrépita elite que, incapaz de aceitar as mudanças históricas, apressam-se em fazer coro com os funerais da morte da esperança. São as vozes dos ressentidos, dos que veladamente odeiam tudo o que cheire a liberdade, revolução, mudança. São os ex-senhores de engenho, capitães do mato reformados, falsos líderes e toda classe média que anda sempre à procura de um espelho.
Nesses dias de intensa crise política, as esperanças foram sufocadas, a esperança foi amordaçada. Porque o coro dos contrários da elite ressentida, dos hipócritas políticos – do PT inclusive -, da imprensa prostituída, quer nos fazer crer que o fracasso do governo do PT e do próprio PT é o fracasso de um projeto histórico de mudanças profundas, justamente ansiadas, durante tempos e tempos, pelo grosso da população.
Não, senhores. Lamento informar, mas a esperança passa bem, obrigado. Porque a esperança não é uma bandeira, um nome no dicionário, uma necessidade psicológica de preencher um vazio existencial: a esperança é nossa capacidade de construirmos um futuro, mão à mão, palmo a palmo. Não precisamos de governo nem de senhores que nos dêem esperança, não precisamos de palanques nem de templos: a esperança brota do fundo de nós, como planta luminosa que cresce devagar. E pedra por pedra a ergueremos, quer faça sol ou não.