A partir de hoje passo a publicar uma série de reflexões sobre aquilo que chamo de "Magia Negra do Capitalismo"; são aforismos e reflexões que visam discutir as maneiras pelas as quais o Capitalismo oculta, seduz e mascara a realidade e as pessoas, para convencê-las para suas estratégias produtivas enquanto o mundo caminha para o abismo. Há um todo, uma totalidade nas reflexões, mas elas seguem o modelo aforismático próprio de um pensar marcado intuição aliada à reflexão mais rigorosa e contida.
Apresentação
Quando os capitalistas já se sentiam como senhores absolutos do mundo, quando o neoliberalismo já se sentia na posse do trono da História - ao ponto de um de nos anos 90 um de seus ideólogos ter proclamado aos quatro ventos que a história chegara ao fim e que esse sim, no sentido hegeliano, era a sociedade de mercado e a democracia liberal de fins dos século XX -, quando a hegemonia burguesa e seu discurso pareciam incontestáveis, eis que uma crise gigantesca se instaura no coração do capitalismo, desmentido o que parecia evidente (pelo menos para os ideólogos da direita), trazendo em seu bojo uma crise de legitimidade que tão cedo os ideólogos burgueses conseguirão dar respostas.
Mas ao mesmo tempo, os pressupostos ideológicos do capitalismo ainda são (e serão) presentes no dia a dia das massas como evidência, como a aparência que garante a legitimidade e a permanência do senso comum, de modo que aquilo que foi sócio-historicamente construído é apresentado como resultado de um processo natural, e como tal, a ordem natural, impossível de ser modificada. Não é à toa que encontramos mesmo trabalhadores que defendem as demissões em massa, a redução de salários, a competição entre trabalhadores, bem como a massa global, com poucas exceções, é adepta de um consumismo desenfreado, de modo que todos cumprem aquela máxima de Marx, de que o capitalismo criava "sujeitos para os objetos".
Que discurso tão poderoso é esse que cega as pessoas para que não enxerguem o que é aparente (a opressão da luta de classes) e, pior que isso, que mesmo aqueles que são explorados defendam o discurso do explorador ? Que tipo de magia há no capitalismo para que sua violência seja não só aceita, mas legitimada e reproduzida por aqueles que a sofrem ? Que tipo de véu discursivo é esse que as pessoas vendo, não enxergam (a realidade) e enxergando não conseguem nomear o que vêem ?
É preciso refletir a partir do comum, desmistificar o bom senso e a boa ordem, porque eles são o bom senso e a boa ordem "para alguém", e não um bom senso universal; as únicas universalidades possíveis do capitalismo são universalidades instrumentais - a da produção e do consumo -; não há uma universalidade decorrente de um gesto intencional de atingir e difundir um valor ideal acima das classes, porque isso não faz parte do capitalismo: primeira tarefa - desmistificar a universalidade capitalista a partir dos dados imediatos do cotidiano, mas do que é comum ao cotidiano das classes pobres e não da burguesia.
É correto pensar - e dizer -, que o discurso capitalista atual lança um poderoso véu de obscurecimento, uma magia negra poderosa que faz com que os sujeitos sociais aceitem abrir mão da luta pela liberdade em nome da segurança que o anonimato e anulamento (enquanto sujeitos históricos) lhes dão. Aliás, liberdade é uma palavra esquecida, como se ela fosse o existente que não mais precisasse ser buscado; não é à toa que ideólogos eminentes do neoliberalismo - como Vargas Llosla tratam a liberdade de mercado como se fosse a Liberdade, e quando atacam governos progressistas de esquerda - como o de Evo Morales na Bolívia, o fazem em nome de uma pretensa "democracia" anterior, como se aquela democracia anterior fosse uma garantia de liberdade, pelo menos política. Ora, basta lembrar que o governo neoliberal que governou a Bolívia antes de Evo Morales é o mesmo governo que privatizou o sistema de água de La Paz, obrigando a população a tomar as ruas exigindo a reestatização do sistema de água como uma garantia que era obrigação do Estado e como tal não poderia ser privatizado; sem esquecer os inúmeros golpes militares de direita de que a Bolívia foi vítima, e que esses ideólogos neoliberais esquecem, calam ou silenciam.
Que magia negra é essa que faz com que, à beira de um colapso ecológico mundial, ainda encontremos defensores extremados do "desenvolvimento, da produção e do consumo", como se essas palavras possuíssem um valor absoluto e inquestionável, como se fosse possível fazer voltar atrás a roda da destruição da natureza ? O capitalismo só existe através da ação de seus agentes, ação esta que é individualizada em algum momento da história. Se uma área é devastada na floresta amazônica para virar pasto para o gado ou para virar plantação de soja, o é através da ação de grupos e pessoas que num dado momento, através do lobby, conseguem a cessão de área públicas (ou mesmo com a grilagem) e depois, através de pressão, conseguem o aval para desmatarem e destruírem como parte de um processo justificado e legal, ainda que ilegítimo e espúrio. (As mudanças no Código Florestal são um exemplo. Parabéns, Sr. Aldo Rebelo! As matas que serão destruídas agradem).
Na verdade, o capitalismo é criminoso - por sua vez os capitalistas também o são - em diferentes medidas, em diferentes lugares, em diferentes tempos. São criminosos não somente os produtores de armas (que indistintamente vendem para ditadores, corruptos, tiranos e mercenários, que matam mulheres, crianças, animais, etc), mas também os que vendem botas para os exércitos, os que se utilizam de mão de obra semi e escrava, a indústria farmacêutica que lucra com o comércio da vida e que maltrata animais; como também são criminosos os processos do capital, que invariavelmente envolvem grandes esquemas de corrupção (engana-se quem pensa que a corrupção é endêmica somente no "terceiro mundo", ela é endêmica ao capitalismo).
Num mundo de mais de 6 bilhões de habitantes, quantos pensam sobre o que de fato acontece com o mundo ? Poucos, quase ninguém, mas não só não pensam, como legitimam e reproduzem a ordem das coisas. Marx analisou com propriedade a alienação, mas há um elemento do presente do discurso e da práxis capitalista que o torna singular - peças de retórica e artimanhas conceituais que visam cegar as pessoas para os reais propósitos do capitalismo, de manter a exploração dos ricos sobre os pobres, de continuar explorando a natureza até a exaustão, de manter intactas as estruturas que garantem sua reprodução autofágica até a morte do planeta.
Então, como acordar ? Como fazer com que as pessoas abram os olhos e saiam de seu sono de pedra e metal ? Nessas reflexões - Pílulas par Acordar - Sabedoria Contra o Capitalismo Real - nos utilizamos do aforismo como ferramenta para pensar e desmistificar a dominação, como ela aparece no dia a dia - em casa, no trabalho, na mídia, na rua, nas conversas nos ônibus, em suma, tal como aparece em sua prática cotidiana. O capitalismo não existe sem um certo modus operandi, sem um certo modo de vida; esse modo de vida é a garantia de sua existência; é uma triste ironia que aqueles que são explorados reproduzam esse modo de vida que vai perpetuar essa mesma exploração.
Pílulas para Acordar - Sabedoria Contra o Capitalismo Real, é um exercício de liberdade crítica e um libelo contra o capitalismo. É preciso reunir todas as armas possíveis na luta contra o capitalismo, e a retórica é uma delas - instrumento vital para desmascarar a opressão, esvaziar os sentidos aparentes, desmistificar o senso comum, mostrando que a aparência é uma construção.
As magias Negras do Capitalismo
- as magias negras do capitalismo: o aprisionamento demiúrgico dos sujeitos ao trabalho; as ilusões instantâneas do consumismo como engodos de redenção; a manipulação do tempo como maneira de aprisionar os indivíduos.
- as magias negras do capitalismo: a retórica do narcisismo sem espelho (os sujeitos recebem sofismas de distração e nunca acham a si mesmos refletidos.
- Diz-me o que compras que te direi quem és.
- Diz-me o que compras que te direi se és feliz.
- A retórica mentirosa da burguesia e do discurso sobre o trabalho como valor supremo.
- O discurso salvacionista-ecológico das empresas e as práticas predatórias.
- As benesses da ciência a esconderem a manipulação da vida.
- A medicina e a felicidade química.
- O telemarketing, a burocracia, os sistemas de controle e vigilância tipo big brother.
- A taxionomia financeira.
- O discurso sobre a universalidade e perenidade do capitalismo.