14 outubro 2007

Asas Que Se Abrem - Poema

Asas Que Se Abrem

Minha voz é rouca, mancha submersa

espelho dos meus olhos

onde passam sombras, desesperos

dos mortos-vivos sobre a terra

loucos da fome, insânia da miséria

deuses vestidos de andrajos

loucos da dor, da indiferença

poetas de um texto a escrever

ah, valha mais a loucura que o fausto da usura

mais as palavras que machucam

as flores do dia

que os crepúsculos mortos dos edifícios

onde se compra a vida, se planeja a morte

milhares de almas acorrentadas pela fome

um dia gritarão no meio dos abismos

ventos marcharão contra as portas das cidades

cegos, loucos, também são deuses

o que tu vês, Tirésias das esquinas

além do que a morte

escancara em nossas retinas

o que tu ouves além

dos gritos dos fetos jogados no lixo

dos loucos que discutem pelas praças

com moscas e mendigos

diz, ó Dionísio

que piratas tu transformarás em pedra

que hera tu trarás para os muros da cidade

que febre cobrirá o pântano dos corações apodrecidos

pelo gelo da ganância

que o sexo dos homens enlouqueça

e as prostitutas ganhem asas

vejo um pão amassado

por prensas de papel-moeda

vejo cédulas onde corre sangue

e sangue cheio de cifrões

ó Moira que paira sobre deuses e abismos

estende tuas asas

sobre os mortos de papel

pesai os ossos

dessa fábrica do medo

minhas letras são tintas de angústia

ouvi o eco dos deuses

as paredes gritavam

quem redimirá os mortos, quem

libertará o gênio da terra, quem

derramará a água do futuro

deuses, sou só um poeta

um bicho cósmico uivando no espaço

não me peçam para redimir o mundo

flutuo sobre pontes, entre palavras

procuro o amor absoluto

tenho os pés feridos, inchados

meu calcanhar é o coração

não me peçam uma canção pelos mortos

não me peçam sementes, estradas, girassóis

tenho ombros onde esferas se derramam

germinando tempos

tenho olhos que enxergam cosmos

no coração de uma menina

ó vozes em tibetano antigo

vozes em dialeto de cristal

os ossos gritam sob a terra

vozes de escravos, vozes de índios

sangue misturado ao milho

carne de Mani

não posso redimir o tempo

não posso deter

a marcha dos elementos

eu que achei o amor

em forma de nereida

eu, que naveguei os mares do inferno e as águas da esperança

sou somente um gesto

asas que se abrem mais que as horas

liberdade que flutua, dente de leão

não me peçam a redenção

sou poeta

meu coração tem todos os gritos

não posso redimir o mundo

estou

só.


Um comentário:

Anônimo disse...

A cada palavra, a cada texto, a cada poema, mais e mais te admiro e mais e mais tenho certeza que tu és único entre os únicos. Quisera eu poder entender um pouco os poetas, os loucos, os iluminados, os sem juízo, os anjos, os sem limites, os racionais...e por consequência, um pouquinho dos seres "humanos".
Grande beijo
Con