Asas Que Se Abrem
Minha voz é rouca, mancha submersa
espelho dos meus olhos
onde passam sombras, desesperos
dos mortos-vivos sobre a terra
loucos da fome, insânia da miséria
deuses vestidos de andrajos
loucos da dor, da indiferença
poetas de um texto a escrever
ah, valha mais a loucura que o fausto da usura
mais as palavras que machucam
as flores do dia
que os crepúsculos mortos dos edifícios
onde se compra a vida, se planeja a morte
milhares de almas acorrentadas pela fome
um dia gritarão no meio dos abismos
ventos marcharão contra as portas das cidades
cegos, loucos, também são deuses
o que tu vês, Tirésias das esquinas
além do que a morte
escancara em nossas retinas
o que tu ouves além
dos gritos dos fetos jogados no lixo
dos loucos que discutem pelas praças
com moscas e mendigos
diz, ó Dionísio
que piratas tu transformarás em pedra
que hera tu trarás para os muros da cidade
que febre cobrirá o pântano dos corações apodrecidos
pelo gelo da ganância
que o sexo dos homens enlouqueça
e as prostitutas ganhem asas
vejo um pão amassado
por prensas de papel-moeda
vejo cédulas onde corre sangue
e sangue cheio de cifrões
ó Moira que paira sobre deuses e abismos
estende tuas asas
sobre os mortos de papel
pesai os ossos
dessa fábrica do medo
minhas letras são tintas de angústia
ouvi o eco dos deuses
as paredes gritavam
quem redimirá os mortos, quem
libertará o gênio da terra, quem
derramará a água do futuro
deuses, sou só um poeta
um bicho cósmico uivando no espaço
não me peçam para redimir o mundo
flutuo sobre pontes, entre palavras
procuro o amor absoluto
tenho os pés feridos, inchados
meu calcanhar é o coração
não me peçam uma canção pelos mortos
não me peçam sementes, estradas, girassóis
tenho ombros onde esferas se derramam
germinando tempos
tenho olhos que enxergam cosmos
no coração de uma menina
ó vozes em tibetano antigo
vozes em dialeto de cristal
os ossos gritam sob a terra
vozes de escravos, vozes de índios
sangue misturado ao milho
carne de Mani
não posso redimir o tempo
não posso deter
a marcha dos elementos
eu que achei o amor
em forma de nereida
eu, que naveguei os mares do inferno e as águas da esperança
sou somente um gesto
asas que se abrem mais que as horas
liberdade que flutua, dente de leão
não me peçam a redenção
sou poeta
meu coração tem todos os gritos
não posso redimir o mundo
estou
só.
Um comentário:
A cada palavra, a cada texto, a cada poema, mais e mais te admiro e mais e mais tenho certeza que tu és único entre os únicos. Quisera eu poder entender um pouco os poetas, os loucos, os iluminados, os sem juízo, os anjos, os sem limites, os racionais...e por consequência, um pouquinho dos seres "humanos".
Grande beijo
Con
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