28 julho 2010

O Tempo da Esperança

O tempo das nossas esperanças não é o mesmo da realidade objetiva; ele é um tempo ansioso, onde o futuro é premente e prenhe de realizações, enquanto o tempo da realidade objetiva é o tempo prosaico da causalidade atômica e mecânica, onde os acontecimentos seguem a rigorosa ordem de seu porvir previamente determinado.
O tempo da esperança é o tempo onde a realização futura já é vislumbrada no presente; é um tempo utópico, que no fundo espera abolir as relações de causalidade para instituir no aí-agora a plenitude idealizada. Só que a plenitude nunca pode ser objetivada porque ela é o sentir imediato de condições dadas no presente - tanto interiores quanto exteriores - e não o resultado de um planejamento. A plenitude é um estado. Como a beatitude.
A grande inteligência está justamente em perceber que o tempo interior da esperança - como fato subjetivo - e o tempo exterior da esperança - como fato objetivo - têm que se casar para que a esperança em si não seja anulada pela desesperança da não realização. Porque certos ideais sociais, por exemplo, não serão realizados no espaço de uma vida humana, então muitas vezes lutamos por propostas e ideais dos quais não veremos a realização.
Mesmo aquelas esperanças de ordem individual têm que ser percebidas nessa dupla dimensão temporal. Porque ainda que a esperança seja um sentimento e enquanto tal mantenha suas características de ordem subjetiva, ela se ancora na ordem objetiva que é a realização de algo cujo valor é determinante para o sujeito, seja ele individual ou coletivo.
Por isso que a esperança tem que ser incluída na ordem de uma práxis - um sistema de valores, crenças e práticas de ordem moral e social-que possa conduzir à realização das coisas, porque a esperança vira um combustível da práxis, que é o motor.
O tempo da esperança é poético, porque é o tempo da abolição da duração e da continuidade pela instantaneidade e simultaneidade. as imagens de Fourier de uma natureza redimida inserem-se nesse plano, assim como a percepção amorosa, que abole as distâncias, sejam elas espaciais ou temporais, no plano da poesia.
No campo das lutas sociais, geralmente o discurso dominante procura descaracterizar as utopias mostrando a sua não realização; muitos ativistas e lutadores desistem justamente por não conseguirem suportar o peso interior de lutar por algo que não se concretiza dentro de seu tempo, quando na verdade precisariam entender essa diferença entre a urgência da esperança e as demandas concretas do mundo real, sujeitas a uma ordem temporal muito mais lenta. Essa compreensão serve como um antídoto contra o cinismo - comum aqueles que saíram do campo das militâncias utópicas direto para a ordem institucional burguesa; outro elemento é se pensar que a luta por um certo horizonte utópico é a luta por certos valores que foram assimilados e interiorizados e que a renúncia aos mesmos significa o abandono à própria substância interior.
Outro argumento usado mesmo por aqueles que são companheiros de lutas é o discurso do pragmatismo, do campo da realização concreta daquilo que é objetivável no momento; essa opção pelo pragmatismo se faz com que muitas vezes se abandone aquilo que é tido como utópico- mas que é vital enquanto princípio programático, em nome de realizações parciais no presente; é comum - e se tornou praxe no movimento dos trabalhadores - abandonar certas bandeiras de luta em troca de cargos e concessões feitas pela burguesia (de modo direto ou através do Estado), sendo que na maior parte das vezes essas concessões são insignificantes frente às bandeiras abandonadas e os cargos conseguidos só dizem respeito aqueles que o conseguiram.
Do ponto de vista gramsciano, os cargos oferecidos à classe trabalhadora são maneiras de cooptação que reforçam a hegemonia burguesa. A aparente ilusão de participar do poder dá a sensação de força, mas isso é somente aparência, porque fundamentalmente quem governa é a burguesia.
A esperança é componente fundamental da dimensão utópica; ela é romântica, mas não no sentido negativo, mas sim no sentido de que ela insere o indivíduo na corrente da auto-realização e coletivamente o direciona a lutar por valores que de imediato o transcendem, tanto no tempo quanto no espaço.
O tempo da esperança não o da eternidade, mas o da abolição da eternidade pela configuração súbita do presente realizado, seja externamente ou no fogo inconsumível da esperança interior.



08 julho 2010

Até Quando ?

Por mais que os meios de comunicação tratem de maneira rotineira e sensacionalista, é preciso dar atenção a dois lamentáveis e recentes episódios de assassinatos de mulheres.
Não vou comentar nomes nem citar ou descrever aquilo que já está estampado em todos os lugares; nosso silêncio é a marca do respeito que temos por aquelas que morreram vítimas da violência e da estupidez masculina. Mas também não podemos deixar passar, fazer de conta que não aconteceu.
Porque os assassinatos são somente a ponta do iceberg da violência generalizada que ainda é praticada contra as mulheres - espancamentos, humilhações, violência sexual...etc; a lista é longa e indesejável, tem gosto ruim como quando levamos um soco no estômago.
Essa não é uma sociedade que de alguma maneira rejeita o feminino, tal e qual ele é ? O que anda a acontecer com os homens, ou então não queremos admitir que sempre foi assim, que essa violência sempre foi costumeira ? As mulheres mudaram, alguns homens também mudaram. O feminino se transformou e o masculino meio que foi a reboque, procurar seu lugar, procurar sua imagem, procurar o contraste frente às novas mulheres emancipadas, donas de si mesmas.
Mas não sei se mulheres e homens encontraram seu lugar, porque a verdade é que ninguém tem lugar numa sociedade fraturada, e muitas das mudanças do feminino foram incorporadas pela lógica do sistema, e se a emancipação das mulheres as livrou da tutela dos maridos ou companheiros, muitas vezes tornou-as reféns dos mecanismos da escravidão do trabalho, sendo assim só a emancipação social de mulheres e homens pode libertá-los de qualquer jugo.
O que não se pode tolerar mais é a impunidade ou a conivência que há com a violência contra a mulher.
Dias atrás, uma mulher foi assaltada dentro de uma delegacia em Sorocaba, na frente do escrivão e de outro policial; perguntados porque eles não intervieram, falaram que pensavam que o assaltante fosse um marido ou namorado da mulher, então não ligaram. Ou seja, se fosse o marido, poderia ficar arrastando a mulher para fora da delegacia usando de violência, os policiais reconheciam naquele gesto um direito tácito do marido sobre a presumida esposa. Se a autoridade policial pensa assim, a quem a mulher poderia recorrer ? Se essa é a mentalidade de pessoas que estão em postos chaves no Estado, o que se pode esperar ?
Enquanto lutamos, nós que acreditamos na igualdade de direitos (pois os gêneros nunca serão iguais) para educar e conscientizar a nova geração que está sob nossa responsabilidade - seja como pais ou professores que somos-, é preciso lutar na esfera social e jurídica para não deixar que a impunidade premie assassinos. Assassinatos de mulheres se repetem com frequência, as pessoas se indignam, bradam e depois tudo passa até que volte a se repetir a mesma cena; e nos perguntamos: até quando ?