A eleição transformou-se num grande jogo de vale-tudo, onde a direita já ultrapassou os limites do bom-senso e se aproxima perigosamente das zonas fronteiriças onde impera o medo, a confusão, o caos armado e não o debate de idéias, que é o que garante a vitalidade da democracia enquanto sistema representativo; a democracia é, necessariamente, filha da palavra.
Da mentira à provocação, de braços dados com a estupidez de grupos retrógrados que, em nome de uma falsa moral ou de uma religiosidade extemporânea que prefere apostar no atraso que na mudança, a candidatura de José Serra partiu para o tudo ou nada, estratégia que pode fazer sentido num jogo, numa aposta, não numa eleição. É que as "pessoas públicas" têm uma imagem a zelar: elas são paradigmas, modelos para o outro, e por esse fato têm de manter, não por hipocrisia mas por necessidade, uma imagem adequada que respeite os limites impostos pelas regras criadas pelo próprio meio, de respeitabilidade, civilidade, cidadania. O eleitor tem de ser respeitado enquanto figura principal do discurso democrático.
Os vários episódios suscitados pelo candidato José Serra ou por aqueles que se ligaram a ele - do debate equivocado sobre o aborto à calúnia pura e simples, com a cumplicidade clara de uma imprensa que mostra que, apesar de não assumir (com exceção do Estado, que assumiu a defesa do Serra, o que acho coerente com o discurso daquele jornal), defende a candidatura dele, exigem que, aqueles que não são comprometidos com essa imprensa, corram para esclarecer os fatos, desemaranhar os fios da trama que formam o país e que no discurso fácil dessa direita retrógrada aparecem misturados em doses cavalares de 'senso comum", escondendo ou diluindo a realidade, as diferenças de classe, a existência da opressão e da miséria que existem necessariamente em qualquer sociedade mantida à custa da desigualdade e da diferença.
Podemos dizer que Serra sucumbiu à Tentação do Poder e que agora nessa última semana vai arriscar tudo, sua história pregressa, sua reputação, tudo, em nome desse projeto pessoal de poder. O que significa que nesse curto intervalo de tempo poderá acontecer novos confrontos ditados pela provocação, novas calunias, novas mentiras, novos factóides criados pela imprensa.
Mas isso aumenta ainda mais a responsabilidade da candidatura de Dilma Roussef e dos partidos a ela aliados, que não podem, em hipótese alguma, ceder ao jogo fácil da provocação ou mesmo simplesmente se colocar de vítima e assim achar que tem por si o direito de esquecer de regras que são fundamentais não somente no exercício democrático, mas em toda a vida. Enquanto a candidatura de Serra afasta-se de qualquer horizonte ético, Dilma Roussef têm que zelar para que a ética e a hombridade sejam palavras de ordem na ação política, não tolerando que a violência manche o processo, nem permitindo que mesmo militantes aguerridos partam para o confronto cedendo à tentação da desforra.
O momento é grave, o processo está por um fio e é isso que a direita quer, que o processo seja maculado na origem, para que depois, perdendo a eleição, possam retomar sua agressividade com base num fato anterior que a justifique, e mais que isso, querem a qualquer custo um fato que os salve, uma tábua de salvação que justifique o uso da força, se preciso for. Não esqueçamos que liberais e fascistas sempre andaram de mãos dadas.
Ainda insisto no apoio crítico à Dilma Roussef, até porque acho que não existe apoio incondicional - há questões que terão de ser retomadas, depois das eleições, dentro do governo, do PT, dos movimentos sociais e da própria sociedade, questões que não poderão mais ser adiadas.
Mas a ação da direita, da escória golpista, nos leva necessariamente a agir. Serra age como um personagem faústico, que faz pacto com as forças sombrias em nome do poder. Essas forças sombrias são o medo, o obscurantismo; difícil é controlá-las depois que foram desencadeadas; difícil, mas não impossível.
A cultura não é salvaguarda contra o mal; se o fosse, a Alemanha nunca teria gerado o nazismo. É preciso que a razão faça sempre a crítica de si mesma e mais ainda, é preciso que o conhecimento, além de crítico, seja ancorado em outras sensibilidades que não somente a razão; é preciso que a verdade ainda seja um horizonte a ser buscado.
Sendo assim, enquanto alguns sucumbem à tentação do poder, é preciso que outros resistam preservando aquela soma de valores que nos tornam humanos - solidariedade, amor, respeito, paixão pelo conhecimento, amor à verdade. É preciso resistir também à tentação da resposta pronta, irracional, resistir às provocações. Nos dias que se seguirão, se a candidatura do sr. José Serra cedeu à tentação do poder a qualquer custo, cabe à Dilma Roussef mostrar uma outra ação, uma outra ética; aos militantes, é necessário vigilância e calma, porque o outro lado clama por um desastre.
Ao final, a responsabilidade é de todos nós. Mesmo daqueles que acreditam que só uma sociedade socialista poderá dar conta de resolver as diferenças econômicas e sociais que nos põe sempre à beira do abismo, não só aos homens, mas também ao planeta. Socialismo ou barbárie não é um chavão, é uma necessidade. A construção do socialismo terá de ser uma tarefa da inteligência e não da violência. A violência virá da reação...
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