Adeus Utopia ?
A utopia é o não lugar, se seguirmos a etimologia latina da palavra; na fábula de Thomaz Morus, A Utopia, ela é uma ilha onde se construiu aquilo que parece ser um estado ideal, um estado que governa pouco porque seus habitantes têm autocontrole, porque suas leis são justas, porque, em síntese, o homem conseguiu criar um outro modelo de civilização.
Mas acontece que, na fábula do Thomas Morus, a representação de Utopia como uma ilha levanta diversos problemas, no plano da simbólica e sua interpretação. O estado ideal é um não lugar (u=não, topos=lugar), uma ilha, dando-nos a entender que a utopia é justamente isso: uma miragem, um lugar que não existe. O texto de Morus despertou, ao longo dos séculos, diferentes reações: ele não é o primeiro a imaginar sociedades ideais - Platão já tinha imaginado sua República, Bacon imaginará sua Nova Atlântida, Campanella sua Cidade do Sol -, mas é Morus quem cunhará, indiretamente, a palavra que será a origem dos pensamentos acerca de sociedades ideais ou estados ideais, as utopias que tanto têm instigado os homens.
Longe de mim falar contra as utopias, contra o pensamento que tem esperanças de uma vida diferente e nova sobre a terra, num mundo melhor, mais humano, mais justo. O problema é quando a idéia fica somente no plano das idéias, quando faltam elementos concretos para relacioná-la com a realidade: aí realmente ficamos no meramente utópico, utópico aqui revestido de conotações negativas, de quimeras construídas sem nenhum amparo na realidade.
A primeira pergunta que fazemos é: mas o que é a realidade ? Quem pode definir o conjunto de seres e situações que se desenvolvem num dado tempo-espaço em contínuas e múltiplas interações ? Quem pode dizer o que é tangível como realidade imediata ?
Os ideólogos do capitalismo sempre foram enfáticos ao desqualificarem o pensamento utópico, sempre com o argumento - travestido de certeza absoluta sob roupagem técnica - de que o capitalismo é uma conseqüência natural, uma etapa necessária e última na trajetória da libertação do homem em relação a natureza; e aí é que é mais que necessário criar, na vertente do pensamento utópico, mas não como utopias, alternativas concretas ao capitalismo, dentro da mais que complexa visão histórica que temos adquirido.
Os dados da realidade são complexos, mas há elementos que não precisam de elucidação e que estão à vista de todos: o planeta caminha para um total esgotamento, a ciência dominada pelo capital ameaça mesmo até o conceito de vida, com suas perigosas experiências no campo da genética, a miséria cresce e não há nenhuma perspectiva de solução pelas vias capitalistas, ao contrário; se depender dos senhores do capital, a perspectiva da escravidão ou da semi-escravidão nunca é totalmente descartada, haja vista o que empresas como a Nike ou Rebook fazem nas terras orientais; ao mesmo tempo, os grupos da sociedade civil, como os sem-terra, tentam encontrar saídas, criar alternativas, que cada vez parecem mais longínquas.
No Brasil de hoje, o movimento sindical, que foi durante um bom tempo a vanguarda dos movimentos sociais, está praticamente engessado, engolfado pela burocracia e pela falta de democracia: muitos sindicatos se assemelham a empresas - não só no sentido de procurarem uma administração racional- mas de incorporarem a sua visão de mundo valores da práxis capitalista, espelhando de certa forma a democracia burguesa que, convenhamos, não é democracia. Os trabalhadores se sentem perdidos, em meio ao mar do desemprego e da exploração e os sindicatos não conseguem coordenar uma resposta à opressão. Os sindicatos deixaram de ser espaços da utopia.
É preciso então, dar adeus a utopia e acreditar no pensamento utópico: isso não é um paradoxo; o que quero dizer é que é preciso procurar construir alternativas concretas ao capitalismo, não acreditar que o estado burguês neo-liberal é a última etapa da história, ao mesmo tempo que desprezar tudo o que seja quimérico ou dogmático. A história é dinâmica; o capitalismo é só uma etapa da história e, diga-se de passagem, uma etapa recente. Civilizações antigas que nunca conheceram o dinheiro e às quais não se pode aplicar o critério clássico de classes tiveram um alto padrão de vida e civilizações futuras também poderão construir, sobre as estruturas desenvolvidas pelo capitalismo, uma nova sociedade onde a vida do homem não esteja separada da vida do planeta e onde o homem não seja inimigo de si mesmo.
Thomas Morus criou uma obra que é um enigma; não vou interpretá-la porque não tenho instrumentos para desvendar sua carga simbólica, sua cabala, sua gematria; mas soube como ninguém instigar os homens a vislumbrarem uma paisagem ideal, com a esperança de sempre transformarem-na em real.
Adeus, utopia...
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