01 setembro 2007

O Sonho das Elites

A declaração infeliz do sr. Paulo Zutollo- presidente da Phillips do Brasil: “Não se pode pensar que o país é um Piauí, no sentido de que tanto faz quanto tanto fez. Se o Piauí deixar de existir ninguém vai ficar chateado” revela aquilo que é o sonho das elites brasileiras - o sonho de um país uniforme,com cara de Estados Unidos, homogeneizado pelo poder do dinheiro, livre daquilo que eles, da elite,no fundo consideram uma mácula: a heterogeneidade do povo brasileiro, as tradições e as diferenças que tornam efetivamente este país no que ele é: um permanente laboratório de criatividade e vida.Pessoas como essa,que nem merecem ser lembradas,pensam que o país é só o sudeste e o sul, como se qualquer lugar acima de Minas Gerais e qualquer sotaque além do mineiro fosse uma ofensa aos olhos e ouvidos delicados da burguesia.A verdade é que essa burguesia, que come caviar e se diverte jogando ovos podres na população pobre- como fez o outro pária filho da burguesia vulgo Boninho – ou espancando trabalhadoras ao amanhecer, essa burguesia cresceu sobre o sangue e suor de negros e pobres, nordestinos ou não; enriqueceu a custa de facilidades favorecidas pelos diversos governos, explorando mão de obra barata, pouco se preocupando com o destino do País, pouco se responsabilizando pelas conseqüências ambientais ou sociais de suas atividades; mas essa mesma burguesia é incapaz de criar qualquer coisa, incapaz de produzir beleza, incapaz de produzir novos valores; infelizmente, a lógica sanguessuga do capitalismo também impera no domínio moral e na esfera dos valores; não é à toa que a burguesia assimilou,copiou valores da aristocracia decadente e não é à toa que a burguesia nacional macaqueia as elites de fora,porque são incapazes de criar qualquer coisa que seja nova.Essa burguesia não compreende a geléia geral brasileira, como diria o poeta piauiense Torquato Neto. O espelho em que ela se olha é uma miragem fragmentada apontada para o hemisfério norte. Mas a verdade é que é ao povo que devemos nossas maiores obras, nossa verve mais criativa, nosso estímulo ao que é grandioso; é ao povo, o inventa línguas, como disse, se não me falha a memória,o poeta russo Klebnikov, que somos tributários da matéria prima com que desenhamos esse país.
Exemplos não faltam: do milagre que é a obra Grande Sertão:Veredas à genialidade do Deus e o Diabo na Terra do Sol à música de Villa Lobos, que nunca se envergonhou de ter recebido das fontes populares a matéria prima para sua música.A burguesia nunca compreenderá o Piauí, o Ceará, aliás, o Nordeste ou o norte do país, nunca compreenderá nossa heterogeneidade étnica, nossa diversidade cultural; incapaz que é de criar, também é incapaz de entender as tradições,o solo onde o povo germina sua cultura e promove o húmus da cultura.
Então, sr. ZuTOLLO, qualquer parte desse país que venha a desaparecer fará falta,muita falta, não só pelo espaço geográfico que a tanto custo conquistamos ao longo da história, mas principalmente pelo povo que o habita; a burguesia sim pode desaparecer, assim como desaparecem os sonhos ruins e os monstros dos pesadelos: depois de sugarem nossa energia, fogem quando chega o sol, desaparecem sob a luz.
Que a história então amanheça.

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