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A Tentação do Poder
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Neoliberalismo & Fascismo
Em um ensaio marcado pela sua característica lucidez, “O Combate ao Liberalismo na Concepção Totalitária do Estado”, Herbert Marcuse pôs a nu os laços que unem o liberalismo ao fascismo, mostrando que entre ambos não havia diferenças substanciais que justificassem a presumida oposição; um a um , Marcuse vai desmascarando as supostas diferenças. O fascismo a que Marcuse se refere é a sua variante germânica – o nazismo.
O nazismo pretendia-se uma nova weltanschauung (visão de mundo) oposta ao liberalismo; essa nova visão de mundo seria marcada pelos seguintes elementos a saber: apresentação heróica do homem, oposta ao tipo racional, contra a mentalidade do burguês do século XIX; uma filosofia da vida, vida entendida como “algo primordial”, além do bem e do mal, oposta assim a uma determinação racional da sociedade; um naturalismo irracionalista e um universalismo apoiado na figura de um volk orgânico que seria praticamente o oposto da nação liberal.
Analisando esses aspectos e a justificação nazista para um Estado totalitário, que na boca dos liberais e neoliberais é o oposto da livre sociedade de mercado, Marcuse mostra que fundamentalmente os elementos do Estado totalitário nazista já estão presentes na práxis neoliberal – mesmo que em germe -, sem que houvesse sequer uma resistência ou a insistência liberal em se distinguir do Estado nazista, que estava em seu início no momento em que o artigo foi escrito(1934).
O ponto alto, para mim, é o momento em que Marcuse cita uma frase de Ludwig Von Mises, grande teórico do liberalismo, que disse que “o fascismo e todas as orientações ditatoriais semelhantes (...)salvaram na atualidade a formação civilizatória européia. O mérito por esta via adquirido pelo fascismo sobreviverá eternamente na história.”. Ludwig von Mises é um teórico defensor do liberalismo; por coincidência, há um instituto Ludwig von Mises no Brasil; esse ano o instituto fez um concurso de artigos sobre o “livre pensar” e há ligações entre o instituto e o assim chamado movimento “Endireita Brasil”, o qual possui relações com o PSDB.
Assim, o que fica claro é que liberais e fascistas andaram de mãos dadas e que os liberais viam no fascismo uma saída contra aquilo que eles consideravam o verdadeiro perigo, que era o avanço do “marxismo-leninismo”, ou seja, o avanço de movimentos revolucionários dos trabalhadores em escala mundial a ameaçar a hegemonia burguesa.
Isso tudo para entender, no presente, as relações entre a candidatura de José Serra e a direita raivosa, extemporânea, defensora do golpe de 64. A campanha para presidente tem sido marcada pelos discursos reacionários, medievais mesmo, com uma campanha ativa da igreja e do setor à direita dos evangélicos, contra a candidatura de Dilma Roussef. No bojo das discussões bizantinas estão questões de gênero(a questão do aborto, da união entre homossexuais,etc) ou até mesmo boatos sobre Dilma, fotos dela como suposta “terrorista”, etc, num caldo imprestável que esconde ou dilui as verdadeiras questões a serem discutidas, que são as propostas para um novo governo.
As relações entre essa direita que se diz progressista (psdb) e a direita raivosa(DEM, Opus Dei, herdeiros da TFP, etc) são assim colocadas num plano histórico onde fica evidente que não são relações estranhas: liberais sempre contaram com o apoio dos fascistas e os fascistas sempre contaram com o apoio dos liberais, desde que fosse conveniente para enfrentar aquilo que eles consideram o verdadeiro perigo, que é a ameaça aos seus interesses e a ameaça, em última instância, à propriedade privada. De braços dados eles caminham juntos, corrompem juntos, matam juntos – se for preciso.
A ordem e a legitimidade só são interessantes quando vão de encontro aos interesses deles. Por isso que, quando numa eleição democrática é eleito um candidato progressista à esquerda, “eles” começam a descaracterizar a democracia, dizendo que o povo não sabe votar e em último caso, recorrem à força bruta, como quando do golpe de 64, onde a democracia foi derrubada em nome – pasmem- da democracia.
Por isso temos de ficar atentos a essas relações perigosas, porque há um risco evidente ao projeto progressista em curso – representado pelo Governo Lula, pela ameaça da direita que se articula em torno da candidatura de José Serra; essa direita é a escória da política, a que recorre ao boato, à força bruta, às calúnias, para conseguirem o que querem; uma direita que recorre à Deus, aos santos, a uma mística rebaixada e retrógrada, que fala do inferno e do pecado, mas que não fala da fome e da miséria e não aponta caminhos para libertar o homem, mas sim outros meios de aprisioná-los.
Enfim, é preciso se colocar contra o avanço dessa direita, mesmo que tenhamos críticas à atuação do Governo Lula, afirmando um apoio crítico à Dilma Roussef, somando esforços para que ela vença a eleição, na esperança de que continuemos num projeto de uma sociedade aberta, plural, onde ainda falta muito para avançarmos mas onde, inegavelmente, muito se caminhou para se começar efetivamente uma república, afinal, não há democracia ou república com barrigas vazias.