Era primavera, como agora. Mas o ar daquela época era mais carregado, depois de 48 anos de ditadura Salazarista. Como pode durar tanto, é o que nos perguntamos. Mas o fato é que o povo tomou as ruas, e a alegria contaminava todos, e os cravos vestiam de vermelho os cantos antes obscurecidos por tanta dor.
Aqui no Brasil sabemos muito pouco o que foi a ditadura Salazarista, desconhecemos o quantum de sofrimento do povo português nesses 48 anos de ditadura. Um documentário recente, 48, de Suzana de Souza Dias, nos dá uma imagem precisa do que foram aqueles longos e amargos anos. Não é que o povo não tenha lutado. O povo lutou; e muito.Durante as chamadas guerras coloniais então, a luta foi intensa. Mas muitas foram as prisões, as torturas, os assassinatos. Nesse documentário visceral, escutamos as falas de vários presos políticos enquanto contemplamos suas fotos, tiradas pela temível PIDE; são pessoas comuns, trabalhadores, homens e mulheres, que porventura militaram em algum sindicato, ou que tiveram somente a desventura de terem relações com alguém de esquerda; homens e mulheres torturados, machucados, humilhados.
As imagens aparecem e desaparecem lentamente, enquanto escutamos as vozes embargadas, ainda tomadas pela emoção, tantos anos depois. Em alguns momentos, a tela fica totalmente escura e só escutamos as vozes doloridas a recordarem um passado que queriam esquecer.
Contam-nos da terrível tortura do sono, onde alguns chegaram a ficar cerca 15, quase 20 vinte dias sem poderem dormir. e como não dormir era como morrer lentamente. Escutamos o depoimento pungente de uma trabalhadora que, ao chegar à PIDE, foi humilhada pelas oficiais por ter vindo para a prisão de chinelo, enquanto elas, oficiais e torturadoras, estavam bem vestidas e belas.
Mas um dos mais belos momentos do filme é quando outro ex-preso fala da revolução dos cravos, de como custou a acreditar que Salazar tivesse caído e de como chorou de alegria ao ver as ruas tomadas de gente e de flores, e a alegria era tanta que ele quase morria, tamanha era a felicidade porque o tempo de trevas chegara ao fim.
O filme transita entre luzes e sombras como se a nos indicar a dor do outro que agora tornamos nossa. E não há tempo que possa interromper os caminhos da dor, e não há tempo que possa esconder a dor. É um belo documentário.
Ontem, a Revolução dos Cravos completou 36 anos, e aqui do nosso outono saudamos essa inesquecível primavera portuguesa, onde o vermelho suplantou a dor e deu cara à liberdade...
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