23 agosto 2010

Pílulas para Acordar - Sabedoria contra O Capitalismo Real III


Ocultamentos

- O "Endomarketing" das empresas esconde os fatos, mascara o real. As revistas corporativas visam tanto legitimar os procedimentos de exploração quanto projetar uma imagem da realidade: o real é diluído em imagens felizes, em lemas de auto-ajuda, na propaganda de ações corporativas que servem para negar o stress real, o adoecimento, a dor; é como se dissessem aos trabalhadores: vocês nunca foram tão felizes senão escravizados...

- Os muros: em torno da Palestina, em torno das favelas do Rio de Janeiro: o opressor não só não quer ver o resultado da opressão, como ainda o esconde.

- Os diagnósticos sobre saúde mental: o ocultamento da loucura e da depressão coletivas.

- A literatura de auto-ajuda a mascarar o absoluto sem sentido que a vida se tornou.

- As estatísticas sobre a violência: no Brasil a tortura contra presos comuns é uma prática sistemática e o Estado não faz nada contra isso. Presos comuns são pobres. No dia em que for torturado um filho da burguesia o Estado abrirá os olhos.

- O socialismo tecnológico dos gadgets a esconder o abismo intransponível das classes.

- O virtual e o real: o virtual - uma sociedade livre, onde a felicidade depende do esforço individual, mas tendo a garantia do Estado de que se é livre para buscá-la. O real - uma sociedade de classes onde uma maioria é explorada até a exaustão, onde uma minoria garante para si a perpetuação do poder e de seu modo de vida auto-fágico, mesmo que às custas do próprio planeta.

- É preciso desmistificar o aparente. O real é mais complexo do que o discurso sobre o aparente; para entender o real, seja ele social, econômico ou mesmo abstrato-científico, é sempre preciso ir além do senso comum.

- Disseminar o senso-comum é uma maneira de esconder a opressão.

- O patriarcalismo e as oligarquias brasileiras esbanjam o uso do senso comum e do aparente em seus discursos.

- A aparente legitimidade do poder da burguesia é uma mentira: não há legitimidade num poder que se mantém à base de violência, corrupção e dinheiro.

- "A essência da realidade reside na resistência ao conhecimento." - Gaston Bachelard, no ENSAIO SOBRE O CONHECIMENTO APROXIMADO

- Com o real social acontece o mesmo, mas a complexidade é também pelo fato de que a sociedade é uma construção humana e o homem nega, rejeita ou não se reconhece em seus próprios objetos.

- A informação (jornalística) é uma construção ou uma deslavada mentira. A mídia constrói um discurso fictício e projeta um mundo fictício, para que as pessoas permaneçam adormecidas dentro daquilo que lhes oprime.

- Não há sentidos no existente, nem para os oprimidos nem para os opressores. Ambos estão aprisionados em cadeias ilusórias de sentidos: os oprimidos, na luta pela sobrevivência e nas esperanças religiosas; os opressores, no consumismo de luxo, nas relações em torno do status quo,no apego às evidências de sua riqueza.

- É preciso que a angústia e o vazio mobilizem as forças individuais para criarem novos valores.

- Não há raças, dizem os racistas de plantão quando querem condenar o sistema de cotas. Mas a questão não é biológica, é histórica. Os negros, após a escravidão, nunca receberam nenhum amparo do estado, saíram das senzalas para as favelas. É preciso corrigir essa distorção histórica.

- O que se esconde: que a opressão não é natural, que o trabalho é uma força que se reproduz através dos sujeitos mas que não os liberta, que não há o menor sentido na vida que se leva, que o presente já se esgotou.

- É preciso ficar atento aos relógios. O tempo é manipulado contra nós.

- É preciso falar aos quatro ventos: no Haiti, para aliviar a fome, as pessoas comem bolos de argila e gordura. No Haiti, por causa da fome, as pessoas comem bolos de argila e gordura. No Haiti as pessoas comem bolos de argila e gordura.

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09 agosto 2010

Pílulas Para Acordar - Sabedoria Contra o Capitalismo Real II

- A manipulação do som: a permanência da música e dos sons nos ambientes, a morte do silêncio.

- A imprensa, a mídia como um todo.

- A ocultação dos sujeitos sociais.

- A luta contra a interioridade: é preciso esvaziar os indivíduos para que eles sejam plenamente objetivados; esgotamento das possibilidades de pensar e reagir, controle dos ambientes pela manipulação do som e das imagens.

- Luta contra o vazio (criador): o silêncio induz à introspecção, então, luta-se contra o silêncio. A solidão também, então luta-se contra a solidão.

- Religiões e mercado se confundem: os neopentecostais combatem o silêncio e estimulam tudo o que é gregário: a autonomia do pensar é heresia.

- A autonomia do pensar é uma forma de heresia: as universidades legitimam a ordem. A academia é a sala de estar onde a ordem burguesa se justifica.

- Behaviorismo in progress: aonde nos levará a manipulação genética sob a ideologia capitalista ?

- As magias negras do capitalismo: no Brasil e alhures, a opressão das faltas mínimas de condições de vida garante que os indivíduos não tenham tempo e condições de refletirem sobre sua própria condição.

- Sísifo em ação: um trabalhador na cidade de São Paulo no metrô às 7 da manhã.

- Sísifo em ação: um trabalhador na cidade de São Paulo no metrô às 7 da noite.

- A mentira bioquímica: a depressão é um sintoma social - o resto é consequência.

- O suicídio coletivo é uma saída ?

- As magias negras do capitalismo: no Brasil, a barbárie da justiça.

- A negação do tempo biológico (cotidiano) e a interatividade eletrônica como forma de extensão do tempo de trabalho.

- Religião e lucro: se até Deus goza com o dinheiro e recebe dízimos substanciais, o que dizer então do próximo ?

- Os pastores têm os bolsos cheios de Deus.

- O Vaticano tem um banco cheio de Deus.

- As magias negras do capitalismo: a violência sexual velada e consentida contra as crianças.

- O lucro advindo da pornografia virtual e a violência real contra as crianças.

- A ilusão das cidades: as multidões não garantem o sentido.

- A desnaturação do outro para garantir a permanência do mesmo.

- A expansão do non-sense através das vanguardas ou as vanguardas como expressão do non-sense - ruptura entre arte e vida.

- A radicalidade quântica desmonta a hegemonia eterna do capitalismo: segundo princípio da termodinâmica aplicado às dinâmicas econômicas.

02 agosto 2010

Pílulas Para Acordar - Sabedoria Contra o Capitalismo Real

A partir de hoje passo a publicar uma série de reflexões sobre aquilo que chamo de "Magia Negra do Capitalismo"; são aforismos e reflexões que visam discutir as maneiras pelas as quais o Capitalismo oculta, seduz e mascara a realidade e as pessoas, para convencê-las para suas estratégias produtivas enquanto o mundo caminha para o abismo. Há um todo, uma totalidade nas reflexões, mas elas seguem o modelo aforismático próprio de um pensar marcado intuição aliada à reflexão mais rigorosa e contida.


Apresentação

Quando os capitalistas já se sentiam como senhores absolutos do mundo, quando o neoliberalismo já se sentia na posse do trono da História - ao ponto de um de nos anos 90 um de seus ideólogos ter proclamado aos quatro ventos que a história chegara ao fim e que esse sim, no sentido hegeliano, era a sociedade de mercado e a democracia liberal de fins dos século XX -, quando a hegemonia burguesa e seu discurso pareciam incontestáveis, eis que uma crise gigantesca se instaura no coração do capitalismo, desmentido o que parecia evidente (pelo menos para os ideólogos da direita), trazendo em seu bojo uma crise de legitimidade que tão cedo os ideólogos burgueses conseguirão dar respostas.
Mas ao mesmo tempo, os pressupostos ideológicos do capitalismo ainda são (e serão) presentes no dia a dia das massas como evidência, como a aparência que garante a legitimidade e a permanência do senso comum, de modo que aquilo que foi sócio-historicamente construído é apresentado como resultado de um processo natural, e como tal, a ordem natural, impossível de ser modificada. Não é à toa que encontramos mesmo trabalhadores que defendem as demissões em massa, a redução de salários, a competição entre trabalhadores, bem como a massa global, com poucas exceções, é adepta de um consumismo desenfreado, de modo que todos cumprem aquela máxima de Marx, de que o capitalismo criava "sujeitos para os objetos".
Que discurso tão poderoso é esse que cega as pessoas para que não enxerguem o que é aparente (a opressão da luta de classes) e, pior que isso, que mesmo aqueles que são explorados defendam o discurso do explorador ? Que tipo de magia há no capitalismo para que sua violência seja não só aceita, mas legitimada e reproduzida por aqueles que a sofrem ? Que tipo de véu discursivo é esse que as pessoas vendo, não enxergam (a realidade) e enxergando não conseguem nomear o que vêem ?
É preciso refletir a partir do comum, desmistificar o bom senso e a boa ordem, porque eles são o bom senso e a boa ordem "para alguém", e não um bom senso universal; as únicas universalidades possíveis do capitalismo são universalidades instrumentais - a da produção e do consumo -; não há uma universalidade decorrente de um gesto intencional de atingir e difundir um valor ideal acima das classes, porque isso não faz parte do capitalismo: primeira tarefa - desmistificar a universalidade capitalista a partir dos dados imediatos do cotidiano, mas do que é comum ao cotidiano das classes pobres e não da burguesia.
É correto pensar - e dizer -, que o discurso capitalista atual lança um poderoso véu de obscurecimento, uma magia negra poderosa que faz com que os sujeitos sociais aceitem abrir mão da luta pela liberdade em nome da segurança que o anonimato e anulamento (enquanto sujeitos históricos) lhes dão. Aliás, liberdade é uma palavra esquecida, como se ela fosse o existente que não mais precisasse ser buscado; não é à toa que ideólogos eminentes do neoliberalismo - como Vargas Llosla tratam a liberdade de mercado como se fosse a Liberdade, e quando atacam governos progressistas de esquerda - como o de Evo Morales na Bolívia, o fazem em nome de uma pretensa "democracia" anterior, como se aquela democracia anterior fosse uma garantia de liberdade, pelo menos política. Ora, basta lembrar que o governo neoliberal que governou a Bolívia antes de Evo Morales é o mesmo governo que privatizou o sistema de água de La Paz, obrigando a população a tomar as ruas exigindo a reestatização do sistema de água como uma garantia que era obrigação do Estado e como tal não poderia ser privatizado; sem esquecer os inúmeros golpes militares de direita de que a Bolívia foi vítima, e que esses ideólogos neoliberais esquecem, calam ou silenciam.
Que magia negra é essa que faz com que, à beira de um colapso ecológico mundial, ainda encontremos defensores extremados do "desenvolvimento, da produção e do consumo", como se essas palavras possuíssem um valor absoluto e inquestionável, como se fosse possível fazer voltar atrás a roda da destruição da natureza ? O capitalismo só existe através da ação de seus agentes, ação esta que é individualizada em algum momento da história. Se uma área é devastada na floresta amazônica para virar pasto para o gado ou para virar plantação de soja, o é através da ação de grupos e pessoas que num dado momento, através do lobby, conseguem a cessão de área públicas (ou mesmo com a grilagem) e depois, através de pressão, conseguem o aval para desmatarem e destruírem como parte de um processo justificado e legal, ainda que ilegítimo e espúrio. (As mudanças no Código Florestal são um exemplo. Parabéns, Sr. Aldo Rebelo! As matas que serão destruídas agradem).
Na verdade, o capitalismo é criminoso - por sua vez os capitalistas também o são - em diferentes medidas, em diferentes lugares, em diferentes tempos. São criminosos não somente os produtores de armas (que indistintamente vendem para ditadores, corruptos, tiranos e mercenários, que matam mulheres, crianças, animais, etc), mas também os que vendem botas para os exércitos, os que se utilizam de mão de obra semi e escrava, a indústria farmacêutica que lucra com o comércio da vida e que maltrata animais; como também são criminosos os processos do capital, que invariavelmente envolvem grandes esquemas de corrupção (engana-se quem pensa que a corrupção é endêmica somente no "terceiro mundo", ela é endêmica ao capitalismo).
Num mundo de mais de 6 bilhões de habitantes, quantos pensam sobre o que de fato acontece com o mundo ? Poucos, quase ninguém, mas não só não pensam, como legitimam e reproduzem a ordem das coisas. Marx analisou com propriedade a alienação, mas há um elemento do presente do discurso e da práxis capitalista que o torna singular - peças de retórica e artimanhas conceituais que visam cegar as pessoas para os reais propósitos do capitalismo, de manter a exploração dos ricos sobre os pobres, de continuar explorando a natureza até a exaustão, de manter intactas as estruturas que garantem sua reprodução autofágica até a morte do planeta.
Então, como acordar ? Como fazer com que as pessoas abram os olhos e saiam de seu sono de pedra e metal ? Nessas reflexões - Pílulas par Acordar - Sabedoria Contra o Capitalismo Real - nos utilizamos do aforismo como ferramenta para pensar e desmistificar a dominação, como ela aparece no dia a dia - em casa, no trabalho, na mídia, na rua, nas conversas nos ônibus, em suma, tal como aparece em sua prática cotidiana. O capitalismo não existe sem um certo modus operandi, sem um certo modo de vida; esse modo de vida é a garantia de sua existência; é uma triste ironia que aqueles que são explorados reproduzam esse modo de vida que vai perpetuar essa mesma exploração.
Pílulas para Acordar - Sabedoria Contra o Capitalismo Real, é um exercício de liberdade crítica e um libelo contra o capitalismo. É preciso reunir todas as armas possíveis na luta contra o capitalismo, e a retórica é uma delas - instrumento vital para desmascarar a opressão, esvaziar os sentidos aparentes, desmistificar o senso comum, mostrando que a aparência é uma construção.


As magias Negras do Capitalismo
- as magias negras do capitalismo: o aprisionamento demiúrgico dos sujeitos ao trabalho; as ilusões instantâneas do consumismo como engodos de redenção; a manipulação do tempo como maneira de aprisionar os indivíduos.

- as magias negras do capitalismo: a retórica do narcisismo sem espelho (os sujeitos recebem sofismas de distração e nunca acham a si mesmos refletidos.

- Diz-me o que compras que te direi quem és.

- Diz-me o que compras que te direi se és feliz.

- A retórica mentirosa da burguesia e do discurso sobre o trabalho como valor supremo.

- O discurso salvacionista-ecológico das empresas e as práticas predatórias.

- As benesses da ciência a esconderem a manipulação da vida.

- A medicina e a felicidade química.

- O telemarketing, a burocracia, os sistemas de controle e vigilância tipo big brother.

- A taxionomia financeira.

- O discurso sobre a universalidade e perenidade do capitalismo.

28 julho 2010

O Tempo da Esperança

O tempo das nossas esperanças não é o mesmo da realidade objetiva; ele é um tempo ansioso, onde o futuro é premente e prenhe de realizações, enquanto o tempo da realidade objetiva é o tempo prosaico da causalidade atômica e mecânica, onde os acontecimentos seguem a rigorosa ordem de seu porvir previamente determinado.
O tempo da esperança é o tempo onde a realização futura já é vislumbrada no presente; é um tempo utópico, que no fundo espera abolir as relações de causalidade para instituir no aí-agora a plenitude idealizada. Só que a plenitude nunca pode ser objetivada porque ela é o sentir imediato de condições dadas no presente - tanto interiores quanto exteriores - e não o resultado de um planejamento. A plenitude é um estado. Como a beatitude.
A grande inteligência está justamente em perceber que o tempo interior da esperança - como fato subjetivo - e o tempo exterior da esperança - como fato objetivo - têm que se casar para que a esperança em si não seja anulada pela desesperança da não realização. Porque certos ideais sociais, por exemplo, não serão realizados no espaço de uma vida humana, então muitas vezes lutamos por propostas e ideais dos quais não veremos a realização.
Mesmo aquelas esperanças de ordem individual têm que ser percebidas nessa dupla dimensão temporal. Porque ainda que a esperança seja um sentimento e enquanto tal mantenha suas características de ordem subjetiva, ela se ancora na ordem objetiva que é a realização de algo cujo valor é determinante para o sujeito, seja ele individual ou coletivo.
Por isso que a esperança tem que ser incluída na ordem de uma práxis - um sistema de valores, crenças e práticas de ordem moral e social-que possa conduzir à realização das coisas, porque a esperança vira um combustível da práxis, que é o motor.
O tempo da esperança é poético, porque é o tempo da abolição da duração e da continuidade pela instantaneidade e simultaneidade. as imagens de Fourier de uma natureza redimida inserem-se nesse plano, assim como a percepção amorosa, que abole as distâncias, sejam elas espaciais ou temporais, no plano da poesia.
No campo das lutas sociais, geralmente o discurso dominante procura descaracterizar as utopias mostrando a sua não realização; muitos ativistas e lutadores desistem justamente por não conseguirem suportar o peso interior de lutar por algo que não se concretiza dentro de seu tempo, quando na verdade precisariam entender essa diferença entre a urgência da esperança e as demandas concretas do mundo real, sujeitas a uma ordem temporal muito mais lenta. Essa compreensão serve como um antídoto contra o cinismo - comum aqueles que saíram do campo das militâncias utópicas direto para a ordem institucional burguesa; outro elemento é se pensar que a luta por um certo horizonte utópico é a luta por certos valores que foram assimilados e interiorizados e que a renúncia aos mesmos significa o abandono à própria substância interior.
Outro argumento usado mesmo por aqueles que são companheiros de lutas é o discurso do pragmatismo, do campo da realização concreta daquilo que é objetivável no momento; essa opção pelo pragmatismo se faz com que muitas vezes se abandone aquilo que é tido como utópico- mas que é vital enquanto princípio programático, em nome de realizações parciais no presente; é comum - e se tornou praxe no movimento dos trabalhadores - abandonar certas bandeiras de luta em troca de cargos e concessões feitas pela burguesia (de modo direto ou através do Estado), sendo que na maior parte das vezes essas concessões são insignificantes frente às bandeiras abandonadas e os cargos conseguidos só dizem respeito aqueles que o conseguiram.
Do ponto de vista gramsciano, os cargos oferecidos à classe trabalhadora são maneiras de cooptação que reforçam a hegemonia burguesa. A aparente ilusão de participar do poder dá a sensação de força, mas isso é somente aparência, porque fundamentalmente quem governa é a burguesia.
A esperança é componente fundamental da dimensão utópica; ela é romântica, mas não no sentido negativo, mas sim no sentido de que ela insere o indivíduo na corrente da auto-realização e coletivamente o direciona a lutar por valores que de imediato o transcendem, tanto no tempo quanto no espaço.
O tempo da esperança não o da eternidade, mas o da abolição da eternidade pela configuração súbita do presente realizado, seja externamente ou no fogo inconsumível da esperança interior.



08 julho 2010

Até Quando ?

Por mais que os meios de comunicação tratem de maneira rotineira e sensacionalista, é preciso dar atenção a dois lamentáveis e recentes episódios de assassinatos de mulheres.
Não vou comentar nomes nem citar ou descrever aquilo que já está estampado em todos os lugares; nosso silêncio é a marca do respeito que temos por aquelas que morreram vítimas da violência e da estupidez masculina. Mas também não podemos deixar passar, fazer de conta que não aconteceu.
Porque os assassinatos são somente a ponta do iceberg da violência generalizada que ainda é praticada contra as mulheres - espancamentos, humilhações, violência sexual...etc; a lista é longa e indesejável, tem gosto ruim como quando levamos um soco no estômago.
Essa não é uma sociedade que de alguma maneira rejeita o feminino, tal e qual ele é ? O que anda a acontecer com os homens, ou então não queremos admitir que sempre foi assim, que essa violência sempre foi costumeira ? As mulheres mudaram, alguns homens também mudaram. O feminino se transformou e o masculino meio que foi a reboque, procurar seu lugar, procurar sua imagem, procurar o contraste frente às novas mulheres emancipadas, donas de si mesmas.
Mas não sei se mulheres e homens encontraram seu lugar, porque a verdade é que ninguém tem lugar numa sociedade fraturada, e muitas das mudanças do feminino foram incorporadas pela lógica do sistema, e se a emancipação das mulheres as livrou da tutela dos maridos ou companheiros, muitas vezes tornou-as reféns dos mecanismos da escravidão do trabalho, sendo assim só a emancipação social de mulheres e homens pode libertá-los de qualquer jugo.
O que não se pode tolerar mais é a impunidade ou a conivência que há com a violência contra a mulher.
Dias atrás, uma mulher foi assaltada dentro de uma delegacia em Sorocaba, na frente do escrivão e de outro policial; perguntados porque eles não intervieram, falaram que pensavam que o assaltante fosse um marido ou namorado da mulher, então não ligaram. Ou seja, se fosse o marido, poderia ficar arrastando a mulher para fora da delegacia usando de violência, os policiais reconheciam naquele gesto um direito tácito do marido sobre a presumida esposa. Se a autoridade policial pensa assim, a quem a mulher poderia recorrer ? Se essa é a mentalidade de pessoas que estão em postos chaves no Estado, o que se pode esperar ?
Enquanto lutamos, nós que acreditamos na igualdade de direitos (pois os gêneros nunca serão iguais) para educar e conscientizar a nova geração que está sob nossa responsabilidade - seja como pais ou professores que somos-, é preciso lutar na esfera social e jurídica para não deixar que a impunidade premie assassinos. Assassinatos de mulheres se repetem com frequência, as pessoas se indignam, bradam e depois tudo passa até que volte a se repetir a mesma cena; e nos perguntamos: até quando ?

26 abril 2010

A Revolução dos Cravos e 48


Era primavera, como agora. Mas o ar daquela época era mais carregado, depois de 48 anos de ditadura Salazarista. Como pode durar tanto, é o que nos perguntamos. Mas o fato é que o povo tomou as ruas, e a alegria contaminava todos, e os cravos vestiam de vermelho os cantos antes obscurecidos por tanta dor.
Aqui no Brasil sabemos muito pouco o que foi a ditadura Salazarista, desconhecemos o quantum de sofrimento do povo português nesses 48 anos de ditadura. Um documentário recente, 48, de Suzana de Souza Dias, nos dá uma imagem precisa do que foram aqueles longos e amargos anos. Não é que o povo não tenha lutado. O povo lutou; e muito.Durante as chamadas guerras coloniais então, a luta foi intensa. Mas muitas foram as prisões, as torturas, os assassinatos. Nesse documentário visceral, escutamos as falas de vários presos políticos enquanto contemplamos suas fotos, tiradas pela temível PIDE; são pessoas comuns, trabalhadores, homens e mulheres, que porventura militaram em algum sindicato, ou que tiveram somente a desventura de terem relações com alguém de esquerda; homens e mulheres torturados, machucados, humilhados.
As imagens aparecem e desaparecem lentamente, enquanto escutamos as vozes embargadas, ainda tomadas pela emoção, tantos anos depois. Em alguns momentos, a tela fica totalmente escura e só escutamos as vozes doloridas a recordarem um passado que queriam esquecer.
Contam-nos da terrível tortura do sono, onde alguns chegaram a ficar cerca 15, quase 20 vinte dias sem poderem dormir. e como não dormir era como morrer lentamente. Escutamos o depoimento pungente de uma trabalhadora que, ao chegar à PIDE, foi humilhada pelas oficiais por ter vindo para a prisão de chinelo, enquanto elas, oficiais e torturadoras, estavam bem vestidas e belas.
Mas um dos mais belos momentos do filme é quando outro ex-preso fala da revolução dos cravos, de como custou a acreditar que Salazar tivesse caído e de como chorou de alegria ao ver as ruas tomadas de gente e de flores, e a alegria era tanta que ele quase morria, tamanha era a felicidade porque o tempo de trevas chegara ao fim.
O filme transita entre luzes e sombras como se a nos indicar a dor do outro que agora tornamos nossa. E não há tempo que possa interromper os caminhos da dor, e não há tempo que possa esconder a dor. É um belo documentário.
Ontem, a Revolução dos Cravos completou 36 anos, e aqui do nosso outono saudamos essa inesquecível primavera portuguesa, onde o vermelho suplantou a dor e deu cara à liberdade...

13 abril 2010

As Sutilezas do Discurso ou A Retomada da Direita

Tenho observado, não sem inquietação, a movimentação que a direita brasileira tem feito no início desse ano para se rearticular, mas se rearticular não só em torno de alianças políticas, como fica claro no caso da candidatura do vampiro da Moóca - José Serra, onde todos os tradicionais partidos de direita(como os democratas e o psdb) e os nem tão tradicionais - como o pps, pululam de alegria incontida na esperança de retomarem o poder via eleições. Falo de uma rearticulação mais profunda, uma rearticulação do discurso e das idéias que têm norteado o ideário neoliberal no Brasil, profundamente desgastado por conta da última crise e da própria política social do governo Lula.
Esses defensores do Estado mínimo, críticos acerbos da presença do Estado na sociedade e na economia, mais principalmente críticos violentos de qualquer estado de bem estar social, organizaram, já durante esse ano, dois eventos de considerável importância(pelas pessoas que mobiliza e pelo simbolismo do próprio evento), o 1º Fórum Liberdade de Expressão e Democracia, que aconteceu em São Paulo, e o XXIII Fórum da Liberdade, que está acontecendo em Porto Alegre.
Nomes pomposos que escondem os objetivos verdadeiros, as verdadeiras intenções da camarilha que lá se reúne - garantir o poder das elites, reforçar a imagem do capitalismo como modelo econômico necessário, afastar de vez da mente das massas quaisquer pretensões a um Estado socialista ou mesmo a um estado mínimo de bem estar social.
O tal fórum da liberdade ainda está a acontecer, mas já possui algumas pérolas, como a de Stephen Kanitz dizer que o capitalismo não foi o culpado pela crise, e os ataques do sr. Rodrigo Constantino ao socialismo. O engraçado, seria cômico se não fosse trágico, é o uso que tais pessoas fazem de palavras como liberdade e democracia: a liberdade para eles é um pássaro cativo do capitalismo, ao qual se encontra aprisionada, como Prometeu a sua rocha; e democracia é o não tão sutil sistema de governo em que vivemos, a democracia representativa que, todo sabemos, é um jogo de cartas marcadas.
Saber que tais pessoas falam de liberdade sem discutir seu estatuto ontológico, sem se aprofundarem sobre a natureza mesmo da liberdade, nos dá náuseas e não sem motivo. Acontece que a sociedade capitalista que esses senhores defendem e que já dura por aí cerca de cinco, seis séculos, acontece que essa sociedade nunca foi um exemplo de liberdade; ao contrário, ela se constitui sobre a supressão da liberdade, sobre a homogeneização e normatização, sobre a coerção das diferenças. A única liberdade que essa sociedade conhece é a liberdade do capitalista de produzir e comprar o que quer que seja e a liberdade do trabalhador de vender sua mão de obra. Vê-los desfiar o rosário da liberdade quando na realidade anseiam pela retomada do poder federal e com ele o poder de reprimir e dar rédeas soltas aos violentos instintos neoliberais nos preocupa. Porque enquanto a direita articula seu discurso e sua ação em torno de objetivos comuns, a esquerda luta de maneira fragmentária, às vezes divagando mesmo sobre o que fazer.
Por outro lado, é preciso desmascarar essas ações, desmascarar essa liberdade de fachada que os capitalistas defendem com unhas e dentes: eles sonham acordados com os dias em que poderão vender até a própria alma, sem restrições, sem traumas; os dias em que poderão parcelar não um título de terra, mas a própria Terra, sem que isso lhes incomode ou lhes deixe moralmente abalados.
O vampiro da Moóca também fala em liberdade, mas não hesita em mandar espancar professores, em colocar espiões em passeata, como fez a PM paulistana numa das últimas manifestações da greve dos professores paulistas; é essa liberdade que eles conhecem.
Isso me lembra uma música da genial Violeta Parra, que com muita clareza dizia: "miren como nos hablan de libertad/ cuando de ella nos privan en realidad/ miren como pregonan tranquilidad/ cuando nos atormenta la autoridad/ miren como nos hablan del paraiso/ cuando nos llueven balas como granizo/ (...) el que oficia la muerte como um verdugo/ tranquilo esta tomando su desayuno.
Essa música sintetiza bem o que está acontecendo agora nessa retomada da direita: belos discursos, a liberdade em primeiro lugar, mas o que se projeta é escorraçar o povo dos poucos lugares que ele ousa ocupar ou mesmo requisitar; o que se projeta é retomar de novo o poder para que o projeto neoliberal volte com todo seu furor, com sua cega e falsa mansidão, espalhando a miséria e recolhendo os despojos pelos lugares onde passa.
Então, ainda que eu não seja do PT nem fã incondicional do governo Lula, é preciso ficar alerta a essa agitação histérica da direita roxa, porque, não tenham dúvida, uma vez eleito o vampiro da Moóca, as elites jogarão fora seus escrúpulos pré-eleitoreiros e retornarão ao poder quais bandos de abutre que há muito tempo esperam pelo festim.