21 julho 2009

O Endomarketing ou Das Maneiras de Seduzir para a Escravidão

No livro Cartas da Zona de Guerra de Michael Moore, soldados norte-americanos que estavam combatendo no Iraque, diversos deles se perguntavam como haviam se deixado enganar pela propaganda mentirosa do Governo Bush, que os convencera a irem para a guerra em nome da “Liberdade e Democracia” quando o que de fato estava em jogo era petróleo e dinheiro. Como aqueles que se alistaram em nome da guerra foram convencidos de tantas mentiras e puderam assim se engajar para a morte ? A propaganda do governo Bush os convencera.

A propaganda, o marketing em si, é sempre essa faca de dois gumes: as técnicas que o marketing domina servem tanto para fazer propaganda do governo Bush quanto para fazer propaganda dos Médicos sem Fronteira, por exemplo; porque conforme a natureza da Ciência do século XX, a técnica foi desenvolvida sem que houvesse um diálogo mais fecundo com a ética, e o capitalismo soube se apropriar bem dessa ferramenta que o marketing é, tanto para gerar novas demandas de consumo quanto para fazer a defesa ideológica de suas premissas morais e sociais, sua capacidade de convencimento e principalmente de aliciamento e cooptação, como quando todos os meios procuram nos convencer que uma certa degradação ambiental pode não ser desejável mas é aceitável, é o preço a pagar pelo progresso, ou então quando tentam convencer os trabalhadores – escravos obrigados a venderem sua força de trabalho – que a lógica predatória do sistema – a competição desenfreada, a velocidade do mercado de trabalho, o ritmo alucinado de trabalho, o estresse e a perda da privacidade, que eles fazem parte da contemporaneidade e são elementos da paisagem humana que vieram para ficar.

O chamado endomarketing se enquadra nessa categoria de propaganda ideológica de convencimento, maneira que as empresas encontraram de procurar cooptar os trabalhadores para suas estratégias produtivas, ao mesmo tempo que ocultam as reais condições de trabalho e a natureza concreta da exploração da força de trabalho, o fato de que os interesses concretos das empresas serem antagônicos com os dos trabalhadores.

Os especialistas da área definem o endomarketing como “(...)um processo que visa adequar a empresa ao atendimento do mercado, tornando-se competitiva a partir do envolvimento de seus clientes internos à estratégia organizacional.”1 Ou seja, o que de fato determina a ação do endomarketing são as necessidades e prioridades externas da empresa em face do mercado, e não o ambiente interno em si. O mesmo autor cita os instrumentos operacionais do endomarketing – vídeos, jornais e revistas de circulação interna, palestras, etc – e diz: “o endomarketing é umas das soluções para os problemas de comprometimento dos funcionários com a organização.” Mas o que o autor não fala é que o comprometimento é na realidade o resultado da relação do trabalhador com seu ambiente de trabalho, uma via de mão dupla: se o ambiente é bom, o trabalhador tende a se comprometer com os objetivos da empresa. Mas não é um processo mecânico e nem pode ser imposto de cima para baixo como uma exigência formal que possa ser medida sem levar em conta os elementos subjetivos e objetivos que estão em jogo.

A principal razão do endomarketing – razão não declarada – é convencer os trabalhadores da necessidade de sua própria escravidão e da licitude da exploração, ou seja, fechar os olhos para o que é óbvio,mas que o discurso do capital torna peça de sonho, como se o discurso fosse maior que a realidade. Um exemplo disso é a revista Gente da Caixa, revista de circulação interna da Caixa Econômica Federal dirigida a seus trabalhadores. Revista de aspecto gráfico agradável e matérias leves que cumprem bem com a função de procurar cooptar os trabalhadores, escondendo ou mascarando o óbvio da exploração cotidiana, da falta de condições de trabalho, do estresse e do adoecimento a que os trabalhadores são submetidos.

O filósofo alemão Theodor Adorno dizia que “(...) pertence ao mecanismo da opressão vetar o conhecimento da dor que ela produz.” E é isso que procura a Revista da Gente, mascarar a dor produzida cotidianamente pela Caixa aos seus trabalhadores, através das metas abusivas, dos planos mirabolantes, das filas sem fim, da ausência de uma gestão eficaz e de uma política real de RH, enfim, através dos mecanismos de opressão vinculados à exploração do trabalho em si, que têm seus efeitos ampliados por conta do descaso da Caixa com seus trabalhadores ou pela incompetência da direção da Caixa em seus processos internos.

Um exemplo: a Caixa sabia a tempos que teria de fazer a substituição dos terceirizados, mas não organizou nenhum plano geral contingencial de orientação às unidades para que as mesmas incorporassem os serviços que eram de competência dos terceirizados. Resultado: excesso de trabalho e horas extras, estresse e adoecimento; nada disso apareceu na revista Nº 26, de março/abril desse ano, como também não apareceu nada sobre o aumento dos casos de doenças psíquicas e mentais dentro da Caixa, porque falar isso seria assumir a parcela de culpa que a Caixa tem sobre a saúde abalada de seus trabalhadores.

Não, a estratégia do endomarketing da Caixa é esconder as reais condições de trabalho, mascarar as doenças, ocultar o fato de que apesar das aparentes tentativas de mudar a gestão da empresa ela continua sendo loteada politicamente e se aproxima, cada vez mais, no seu modelo de gestão, dos bancos privados – onde os resultados sempre acontecem à custa da saúde dos trabalhadores.

É preciso desmascarar o discurso do endomarketing – em particular da retórica da Caixa na Revista da Gente, reduzí-la aquilo que ela realmente é: discursos e maneiras de seduzirem o trabalhador para sua própria escravidão, gestos verbais e mis-en-cene que tentam ocultar do trabalhador a opressão da luta de classes.

Da próxima vez que ler a Revista da Gente, pense não tanto no que que você vê, mas naquilo que está oculto, aquilo que a revista silencia: nos trabalhadores que adoecem por causa do estresse, na pressão por metas, na truculência sempre freqüente na gestão da Caixa – e essa gestão já deu inúmeros exemplos disso. E aí pode ter certeza, o que está oculto, aquilo que a Caixa silencia, é seu verdadeiro retrato.


06 março 2009

O Deus Canibal

Começo essa postagem com uma frase do arcebispo de Olinda e Recife, d. José Cardoso Sobrinho; falando sobre o homem que estuprou a menina de nove anos, o arcebispo disse: "Ele cometeu um crime enorme, mas não está incluído na excomunhão". "Agora, mais grave do que isso, sabe o que é? O aborto", completou."(no http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI3618025-EI5030,00-suspeito+de+estupro+nao+pode+ser+excomungado+diz+arcebispo.html) Estuprar não é motivo de excomunhão, mesmo que o estupro tenha sido cometido contra uma criança de nove anos de idade, pior que isso é abortar, ainda que o aborto tivesse a intenção de salvar a vida da menina.

A retórica da igreja não é só atrasada, é criminosa. Que tipo de deus é esse que perdoa um estuprador e vai contra a vida de uma criança ? Que tipo de deus é esse que exige vidas e mais vidas para seu paraíso ? Que tipo de deus é esse que concorda em conspurcar a vida e abençoa a morte em suas diversas manifestações ?

Dizer o que esse arcebispo idiota, estúpido e arrogante falou é mais que um crime, é um incentivo à criminalidade, tal a maneira que ele relativizou um crime de extrema gravidade como o estupro; pior ainda, essa retórica da estupidez gratuita passa uma borracha sobre a palavra infância, pois no que menos a igreja pensou foi na vida da criança. Esse tipo de prática deixa em relevo a face do atraso da igreja, uma instituição extemporânea que deveria ter desaparecido da face da terra há muito tempo, pois ela se alimenta da ignorância e das superstições, ela se alimenta do medo e da loucura que estão implícitos por trás de seus dogmas, por trás de sua retórica que precisa atacar a VIDA para permanecer viva.

Sem falar no total desprezo que a igreja, através desse asno travestido de gente, demonstra pela mulher, já que o estupro não é um crime tão grave assim; porque? porque a mulher não vale nada para a igreja, porque a igreja quer ver a mulher submetida à escravidão social e sexual, porque a igreja quer ver a mulher sempre numa posição inferior, porque a igreja, em suma, odeia a vida e tudo o que cheire à vida, à liberdade, ao prazer que estão associados à plenitude da existência.

Não é à toa que Nietzsche anatematizou os sacerdotes no seu O ANTICRISTO, anátema esse que publicamos na Esfera da Manhã tempos atrás( e que vamos publicar de novo), não é à toa que os surrealistas tinham o lema ENFORCAR O ÚLTIMO PADRE COM O CADARÇO DA BOTA DO ÚLTIMO SOLDADO,não é à toa que Voltaire e outros lutaram contra o poder maléfico dessa instituição milenar, que resiste à morte como um vampiro que se apega à vida.

Talvez a verdade seja que o deus que é adorado por essa igreja não é o verdadeiro deus, deve ser o deus de cabeça de burro que os pagãos diziam que os judeus adoravam no tabernáculo, uma dessas antigas divindades sangrentas, canibais, que espera sangue e mais sangue para poder viver, um falso demiurgo, como diziam os antigos gnósticos, esse demiurgo falso que quer ver o homem sempre aprisionado em suas cadeias de opressão, opressão pelo trabalho, pela vida mais dura que se possa ter, para que assim o homem nunca tenha tempo de olhar para si mesmo e libertar-se das correntes que o mantém numa vida sem sentido.

Esperamos sinceramente que esse arcebispo receba a devida punição, que a natureza implacável derrame sua ira sobre ele, em nome de todas as crianças, em nome de todas as mulheres, em nome, enfim, de todos aqueles que acreditam que a vida tem que ser medida pelo presente não por um futuro indefinível onde só se vêem sombras e dor.

Abaixo, transcrevo a postagem feita no A ESFERA DA MANHÃ:

27 Dezembro 2007

Fim de Ano III
Transcrevo, abaixo, a última página do livro O Anticristo, do Nietzsche. Nunca deixei dúvidas quanto ao meu próprio anticristianismo, mas às vezes é bom falar de todo mal que veio desse solo nefasto: basta lembrar que nosso modelo de civilização -eurocêntrica-, é cristão e foi esse modelo que nos trouxe aonde estamos agora: à beira do abismo. As igrejas estão sempre afiando suas garras e tentando manter a humanidade num estado de permanente idiotia, num permanente autismo espiritual: o grande salto de tigre é um salto no reino do espírito, sem deus, mas com inúmeras possibilidade humanas e além humanas. Mas é preciso sepultar, com terra nova, os produtos espúrios de dois mil anos de ignorância, atraso e cegueira.

Do AntiCristo - de Nietzsche

Lei Contra o Cristianismo

Com data do dia da salvação, primeiro dia do ano Um (em 30 de setembro de 1888, pelo falso calendário)

Guerra mortal contra o vício:o vício é o cristianismo

Primeira Proposição: Viciosa é toda forma de ir contra a natureza. A forma humana mais viciada é o sacerdote: ele prega a contradição da natureza. Contra o sacerdote não há razões e sim cadeia.

Segunda Proposição: Toda participação a um serviço religioso é um atentado à moralidade pública. Deve-se agir com mais rigor contra protestantes do que contra católicos, mais rigorosamente contra protestantes liberais do que contra os de fé sólida. Entre as massas, quanto mais próximo se está da ciência, mais criminoso se torna ser cristão. Consequentemente, o criminoso dos criminosos é o Filósofo.

Terceira Proposição: O solo amaldiçoado onde o cristianismo chocou seus ovos de basílicas deve ser destruído pedra por pedra, tornando-se o lugar mais infame da terra, o terror de toda posteridade. Deve-se criar cobras venenosas nesse lugar.

Quarta Proposição: A doutrina da castidade é uma instigação pública à contradição da natureza. Todo desprezo à vida sexual, toda tentativa de contaminá-la através do conceito de "impureza" é na verdade o próprio pecado contra o espírito sagrado da vida.

Quinta Proposição: Comer à mesa com um sacerdote é proibido: dessa forma excomungá-lo-emos da sociedade honesta. O sacerdote é nosso Tschandala, temos de expulsá-lo, deixá-lo morrer de fome, impelí-lo para alguma forma de deserto.

Sexta Proposição: Deve-se chamar a "sagrada história" pelo nome que merece, de história maldita; devem-se usar as palavras "Deus", "terra da promissão", "redentor", "santo", como xingamentos, como epítetos de criminosos.Sétima Proposição: O resto virá por si só.

20 janeiro 2009

Não Contem os Mortos

Não contem os mortos
os olhos deles já cheiram a infinito
os abutres da cidade comemoram
o transe do terror
não temos mais paciência com o cinismo
aquelas vozes de números, não ouço mais
a morte é una, bloco de metal
não contem os mortos
eles se contarão sozinhos em mil e uma vozes
em compasso de sonho seus gritos ganham asas
não contem os mortos
eles foram apagados como os círios de uma menorah.

14 janeiro 2009

O Cinismo em Ação

Uma guerra, qualquer guerra, é uma coisa suja; não há nada que possa ser considerado belo ou agradável, seja do ponto de vista estético ou ético, em uma guerra. Mas creio que o que de pior há é a retórica dos vencedores e invasores, que procuram justificar seus crimes atrás de uma verborragia cínica, que cobre com um verniz hipócrita as cores sombrias da guerra.
O ataque de Israel na Faixa de Gaza já foi condenado pela ONU, que qualificou a ação de Israel como passível de punição como crime de guerra; agora vem a Primeira Ministra de Israel e tem o cinismo de falar que "essa guerra fará bem ao povo palestino, porque acabará com os extremistas do Hammas"?
É possível cinismo maior que esse, falar para um povo que está sendo massacrado, povo este que já perdeu mais de 200 crianças assassinadas pelo exército de Israel, é possível falar que isso é um bem ?
É uma medida de cinismo que não é possível tolerar. Enquanto a Palestina chora seus mortos, Israel conta os ataques do Hammas que quase deram certo. E não contentes em destruir casas, se apropriar de poços de água, matar crianças e velhos, Israel ainda destruiu um dos poucos cemitérios locais; ou seja, os palestinos da Faixa de Gaza não podem nem enterrar seus mortos...
Há uma intencionalidade macabra nesse gesto; é como, para um egípcio antigo, a violação da múmia, pela implicações que esse gesto traria para a alma do morto. O ato de enterrar os mortos tem uma significação especial no contexto religioso, no âmbito da cultura árabe e principalmente na significação que esse ato se reveste para as famílias e sua memória coletiva.
Destruir um cemitério é tentar tirar a significação da morte como evento coletivo, além de fazer com que os mortos se acumulem na cidade; ou seja, os palestinos, que já não podiam cuidar dos vivos agora não conseguirão cuidar dos mortos: sem água, sem energia, com os hospitais operando já além do limite, sem alimento, sem um cemitério... o que mais os israelenses vão tirar do povo palestino ? O ar que eles respiram ?
Cara Sra. Tzipi Livni, o povo palestino não agradecerá por essa guerra; o sangue que suja o solo palestino não é bom adubo nem fertilizante: ele espalha em ondas um ódio que se acumula com o tempo e que sempre cresce, porque permanecem as razões que o justificam.
Se há alguma significação na história - é difícil falar sobre o presente, porque estamos dentro dele -, se a história é prenhe de sentidos que não conseguimos ver no presente, o sentido possível dessa tragédia coletiva vivida pelo povo palestino é o de que a ordem neoliberal do mundo falhou completamente e que não é mais possível tolerar a falácia de sua diplomacia de fachada.
Será preciso que se encontre um novo horizonte civilizatório, outra perspectiva onde os povos se respeitem na justa medida; o capitalismo macula as relações, sejam entre pessoas ou entre povos; é preciso que se conceba outra escala de valores humanos onde o humano prevaleça; esse não é um ideal utópico, mas uma necessidade maior do nosso presente, onde a natureza se esgota por conta da agressão do capital, onde os homens se matam em guerras patrocinadas pelos interesses do capital, onde a beleza se esvai ou se silencia, calada pela brutalidade do capital.
Mas não dá para aceitar esse cinismo de tempos de guerra; massacre é massacre, morte é morte, sangue é sangue, destruição é destruição: não existe morte relativa, não existe meio sangue, não existe meio massacre - as palavras designam aquilo que as coisas são; só a retórica do cinismo tenta esconder e acobertar a natureza criminosa da guerra.
Mas não conseguirá.

09 janeiro 2009

Não Há Mortos Em Gaza

Não há mortos em Gaza
eles estão ausentes
nos escombros dos edifícios

eles estão calados
nos palanques, nos comícios

eles estão quietos
nas trincheiras, nos ofícios

eles não falam
nos círios acesos, nos obuses

eles não choram
corpos estraçalhados sob a mira dos canhões


não há mortos em Gaza
eles sobrevoam a horizontalidade da morte

eles nadam num mar de esperanças desfeitas

eles escorrem por um túnel profundo
rasgado numa menorah

eles cantam a sura do profeta
enquanto bebem vinho de tâmara


não há mortos em Gaza
eles percebem o silêncio que emana das tvs

eles recebem as flores da utopia

eles esperam pelo sol da Palestina

eles dançam com anjos e huris no paraíso

eles cavalgam em corcéis e tempestades

eles cantam com vozes de crianças


não há mortos em Gaza
não há mortos em Gaza

mortos estamos todos nós.

26 julho 2008

Dois Pesos, Nenhuma Medida: A justiça brasileira, Cacciola, Daniel Dantas e o MST

Essa semana, trabalhadores do Movimento Sem Terra que chegavam à Porto Alegre foram revistados e fotografados pela polícia antes de entrarem na cidade, numa atitude de clara perseguição por parte dos poderes constituídos do estado do Rio Grande do Sul. A recepção que os sem-terra tiveram foi a de serem tratados como criminosos prontos a cometerem algum ato de vandalismo ou algo pior, quando se sabia por antecipação qual era o objeto da caminhada: manifestações pacíficas no centro de Porto Alegre.
A ação da Polícia Militar gaúcha faz parte de uma ação articulada entre o governo estadual e o ministério público daquele estado, e que visa criminalizar o MST, num gesto próprio de governos ditatoriais.
Mas esse gesto revela mais que isso, revela como o judiciário brasileiro precisa, urgentemente, de uma reforma radical, pois ele está desmoralizado, haja vista as ações que vem tomando e que revelam que a justiça brasileira possui dois pesos e nenhuma medida: há uma justiça para os ricos e outra para os pobres e trabalhadores.
A justiça para os ricos liberta escroques e ladrões, como Cacciola e Daniel Dantas, sobre os quais pairam sem número de acusações dos negócios mais escusos, em valores sempre na escala dos milhões. A justiça para os pobres é rigorosa: prende ladrões de shampoo e caixas de margarina sem julgamento, confina presos pobres em cubículos onde nem animais sobreviveriam e posa de honesta.
O que está em choque é o próprio Estado. Quando a justiça é desmoralizada, rompe-se a teia que une os diversos elementos de uma sociedade, pois a justiça teria que pairar acima das relações de classe e dos interesses que as dominam, mas não é assim, porque o próprio estado revela sua face unilateral, burguesa, quando acoberta as ações do judiciário, os crimes de colarinho branco, a ilegalidade que permeia grande parte das ações das corporações, dos grandes financistas, enfim, da burguesia como um todo.
Não sei se as pessoas perceberam a conexão entre esses extremos, a libertação dos escroques e a perseguição ao MST, mas há uma linha dupla que une esses atos extremos, a proteção à burguesia e a perseguição aos movimentos sociais: faz parte da ação articulada pela burguesia, desestruturar os movimentos sociais e ao mesmo tempo proteger-se enquanto classe, mesmo que isso signifique dar cobertura para negócios escusos e crimes diversos. Há alguém que ainda se iluda quanto a achar que os grandes negócios são feitos de mãos limpas ? Que por trás das grandes corporações não há também grandes crimes, dos ecológicos aos financeiros, da corrupção aos assassinatos ? Há ainda pessoas ingênuas a esse ponto, de não perceberem que a corrupção é inerente ao próprio capitalismo, é inerente e subjacente à sua ideologia, ao seu discurso de lucro a qualquer custo ?
A justiça, num país que nunca conseguiu constituir-se como uma república de fato, só pode ser unilateral: aqui as aspirações burguesas morreram antes de seus discursos, a realidade sempre foi muito fácil para essa burguesia que sempre se locupletou em banquetes sem fim, com um estado sempre pronto a desmantelar revoltas e aplicar uma justiça sempre classista: a favor da burguesia e contra aqueles que estavam do outro lado: trabalhadores, índios, pobres, camponeses.
Quando a Prússia invadiu a França em 1870, os operários que haviam tomado Paris e ali erguido a famosa COMUNA DE PARIS, fizeram a defesa da cidade contra o invasor estrangeiro; o governo burguês preferiu fazer uma aliança com o invasor estrangeiro e massacrar os operários rebelados do que concentrar forças para expulsar o invasor. Essa é uma lição da história: não há justiça burguesa, há sempre a injustiça burguesa, porque os pratos da sua balança têm pesos diferentes, ou melhor, só há um prato na balança...
É preciso consciência histórica e consciência de classe para compreender as ações da justiça brasileira, e mais que isso, é preciso consciência de classe para resistir à brutalidade desses tempos de silêncio, onde parece que tudo morreu, inclusive a esperança...
e Viva o MST!!!

17 abril 2008

Fora China!

Nenhum crime é tão pouco condenado quanto a invasão chinesa ao Tibete e a sistemática tentativa de destruir a cultura tibetana, numa clara ação de etnocídio, perante a qual o mundo se cala, de uma ou outra maneira.
País que se autodenomina comunista, mas que na verdade amplia cada vez mais sua práxis capitalista aliada a um estado altamente repressivo, a China tem cometido todo tipo de violação aos direitos humanos: desrespeito à pessoa, desrespeito às culturas, práticas de tortura, lavagem cerebral, prisão de crianças (como a do Panchen Lama, que tem 8 anos), mas movidos por interesses escusos, os países se calam, assim como tem se calado a diplomacia brasileira e de vários outros países, assim como tem se calado mesmo as organizações de esquerda - não vi nenhuma manifestação do PSTU, do PSOL ou de qualquer outro partido de esquerda; no site do PC do B ainda há notícias absurdas, e ainda têm a coragem de dizer que o Tibete, como região autonôma, tem sua cultura e língua respeitadas ( no site http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=34670 ), numa matéria tão parcial que sugiro aos senhores do PC do B que leiam o site da comissão internacional de juristas, organização que acompanha a história recente do Tibete desde a sua invasão pela China nos anos 50.
Esse silêncio incomoda, porque a esquerda se mostra totalmente parcial, inócua, bidimensional mesmo, porque incapaz de articular uma defesa da vida acima das ideologias, em nome de direitos que são essenciais(respeito à vida, às culturas, à soberania dos povos), se mostra incapaz de olhar acima de seus umbigos estreitos, além de sua retórica chula de uma luta de classes extemporânea (não que o conceito de luta de classes seja extemporâneo, mas aquilo que a esquerda tem considerado como tal), que não corresponde à verdade histórica, que não corresponde nem à dialética real.
Porque o fato é que não é de agora que a China mata e tortura no Tibete, enquanto a esquerda se cala, e os governos também. Incômodo o silêncio do governo brasileiro: quando os direitos são esquecidos em nome de relações comerciais ou seja lá do que for, tudo pode acontecer: é a barbárie travestida de civilização, como diria Walter Benjamin.
Onde fica o direito à autodeterminação dos povos ? Só um ignorante em matéria de cultura pode achar que o Tibete pertence à China: a China invadiu o Tibete como qualquer nação imperialista o faria, mas o fato é que a autonomia tibetana, sua independência como povo e cultura ficam mais que evidentes pela existência de uma língua própria, de um alfabeto próprio, que nem é derivado da escrita chinesa, mas sim do sânscrito. O litígio quanto à demarcação das fronteiras aconteceu por conta do próprio estado tibetano, durante séculos fechado ao contato externo, assim como foi o estado japonês até meados do século XIX; a diferença é que o estado japonês era per si centralizado em torno de uma forte cultura confucionista, marcado pela disciplina e pelo culto abstrato ao céu e à nação, enquanto a cultura tibetana, budista, sempre foi marcada por uma evidente indiferença quanto ao mundo terreno.
Mas são idiossincrasias que teriam de ser respeitadas, assim como têm de ser respeitadas as culturas indígenas ou toda e qualquer cultura diferente das culturas clássicas, sejam do ocidente ou do oriente. Ainda assim, para a comissão internacional de juristas, o estatuto do Tibete como país autônomo na época da invasão chinesa é inquestionável.
Querem tirar mesmo dos tibetanos o direito à revolta, criticando-os por terem agido com violência contra a polícia chinesa, o que chega a ser de um cinismo gritante - a esquerda se rejubila quando iraquianos ou afegãos reagem ao invasor norte-americano e se cala frente ao invasor chinês: ora, fora com todos os invasores, de todos os países invadidos, seja ele o invasor norte-americano, chinês, europeu, brasileiro ou seja lá o que for. Que se respeite o direito de auto-determinação dos povos, que a China conceda a autonomia de fato e não uma autonomia de fachada, mas que garanta o direito do povo tibetano de escolher seu próprio destino.
Quanto ao governo brasileiro, fica mais essa decepção: tirando uma pequena nota onde o governo brasileiro "deplora" os acontecimentos no Tibete, mas reconhece a "unidade territorial chinesa", ficou um absoluto e comprometido silêncio, enquanto a comunidade internacional grita contra os crimes chineses. Depois dos transgênicos (em particular a soja), depois da devastação da floresta amazônica, a diplomacia silenciosa, que lembra do comércio e esquece dos direitos.
"Eu não como desse pão", vamos boicotar as olimpíadas e exigir que a China cesse com toda violência e comece a retirar suas tropas do Tibete; por um Tibete livre. Já.